segunda-feira, 5 de abril de 2010

Desaio XV - Resposta

Sabia que era assim.
Que ele queria muito. Queria voar como os pássaros. Conhecer as nuvens à luz transparente das manhãs verdadeiras. Poder respirar de forma honesta.
Ela tinha-o assim, entre pedaços. Entre fragmentos disformes de um espelho que nascera partido. Ele era belo através daqueles fragmentos tortos que lhe cortavam as mãos. Mas tocar-lhe era bom demais para se permitir a parar.
Conhecera-o ao pé do Mar. O olhar sedento da gaivota que tem asas curtas enregelava.
Seduzira-o com um olhar de maresia. Fora fácil de mais mantê-lo consigo. Ele tinha tão pouco, que o pequeno calor de imensidão que ela lhe dera fora o suficiente para o tirar da praia. E por isso mantinha-o assim, num estado de sobrevivência morna. Deixava-o sonhar, mas não o deixava sofrer pelos sonhos que morriam todos os dias.
Amava-o numa melancolia constante. Como se as ondas da sua vida nunca rebentassem. Como se toda a essência do seu amor estivesse presa num frasco demasiado bonito, demasiado pequeno.
Porque ele queria ser como os pássaros.
E lá no fundo, ela era como ele. Tivera tão pouco que o Nada fragmentado dele fora tudo.
Por isso um dia, levou-o até à praia. Deixou-o sentir o mar e as ondas uma vez mais. E quando a saudade o atacou, ele percebeu que todo aquele encanto era um calor roubado, à força de se acreditar nele.

E quando ele partiu, também ela entendeu que a sua vida vivida fora um mar de encantos breves.
E que alguém um dia, lhe roubara as suas rosas. E que agora, irreversivelmente, já não tinha lembranças e nada lhe provocava saudade.

Sem comentários:

Enviar um comentário