terça-feira, 6 de abril de 2010

Desafio XIV - Resposta

"Oh! Se eu soubesse que o Inferno
não era como os padres mo diziam:
uma fornalha de nunca se morrer...
mas sim um Jardim da Europa
à beira-mar plantado...
Eu teria tido certamente mais juízo,
teria sido até o mártir São Sebastião!
E inda há quem faça propaganda disto:
a pátria onde Camões morreu de fome
e onde todos enchem a barriga de Camões!
Se ao menos isto tudo se passasse
numa Terra de mulheres bonitas!
Mas as mulheres portuguesas
são a minha impotência!"

Almada Negreiros, Cena do Ódio

- “Zé, já viste? É tudo tão barato!”

Foi a chapada mais forte dos últimos 5 dias. Foi basicamente a chapada que me trouxe de volta à realidade. Mas eu devia ter imaginado. Já não era a primeira vez que acontecia, e eu sabia que acontecia de cada vez que voltava para casa: quanto mais se aproximava a hora do voo para casa, mais eu começava a ouvir a minha língua.

Sejamos sinceros, não foi a minha língua que provocou a enorme chapada que levei. Essa guardo-a com a maior das estimas, aquela com que se guarda o único verdadeiro meio de nos comunicarmos em total completude. Não. O que me trouxe de volta à realidade foi a inabalável força com que somos sugados de volta a casa. Casa?

“Home is where the heart is.”

Gostava que um dia “casa” fosse todo o meu mundo. Todo o mundo que eu conheci e que valeu a pena. E também aquele que não valeu a pena, mas que me ensinou que somos todos diferentes, e que a bondade toma muitas formas, mas que é sempre bondade.

- “João!!!” – gritos pelo terminal – “Vou levar as revistas de futebol dos ingleses!”

Típico.

Todas as viagens acabam como começaram. Pelo menos é isso que vê quem olha de fora. Quem disse “Adeus” no dia da partida e agora os espera nas Chegadas. Mas é de tal forma um engano que muitas vezes os próprios viajantes negam, ou refutam, as mudanças que trouxe a viagem à sua vida (umas férias de 2 semanas num resort na República Dominicana mudará a nossa vida?... talvez, mas menos que as 4 horas passadas neste terminal frenético desta cidade frenética). Para quem vê de fora, todas as viagens acabam como começaram. Para quem viajou, tudo mudou. Tudo muda. E a experiência é sempre à medida do viajante, obviamente (nem todos experienciam Amesterdão da mesma maneira). Mas todas as pessoas, à sua maneira, mudam.

E é essa mudança constante, cumulativa, que me atira de novo para o terminal. Dez minutos antes do início do embarque, já nem me sinto no estrangeiro. Estou sentado numa sala de espera rodeado de conterrâneos. Sinto vergonha. E eu não sou diferente deles. Ou pelo menos não sou totalmente diferente deles. Na verdade sou igual a eles. Sou igual porque me fiz igual, porque quero ser igual. Porque na minha simplicidade sinto-me bem, confortável, sendo igual a eles.

Quatro horas rodeado de pessoas que não conheço, de culturas que se cruzam aos encontrões nos corredores, dão que pensar.

Sinto-me sozinho naquela sala de espera. Sinto o peso dos meus sentimentos nos ombros. Sinto um vómito anti-patriótico. Neste preciso momento, sinto um profundo nojo pelas pessoas que me rodeiam. As mesmas que com a mesma facilidade fazem tudo para sair por cima. Tudo. Sinto que na cabeça deles apenas pensam no pastel de bacalhau e no copo de três que os espera em casa. N’A Bola em cima da mesa. Sinto outro vómito.

Fiz-me igual a eles. Na verdade eu sou igual a eles. A diferença é que, nesta enorme sala de espera cheia de gente barulhenta e tão igual a mim, eu sou o único que não quer voltar.

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