domingo, 25 de abril de 2010

Desafio XV - Resposta

"Eu agora tinha a morte dentro de mim. E é horrível estar grávido da morte."
António Lobo Antunes

“Seis meses”.
Há sete meses que este espaço temporal o perseguia, todos os dias. A toda a hora, a todos os momentos. Há sete meses que fecundava dentro de si uma morte lenta, excruciante, apenas tratada, e a custo, com muitos comprimidos e analgésicos.

“Seis meses”.
Hoje, exactamente sete meses e sete dias depois desse fatídico dia, ele estava na sala de professores pela última vez. Vestia o seu melhor fato, como se do seu enterro se tratasse. Tinha tudo preparado. Tremiam-lhe os papéis nas mãos, as suas cábulas, como se da primeira aula da sua vida se tratasse. Sentia um nervoso miudinho, misturado com adrenalina, alegria, tristeza, e todos os outros sentimentos que tinha sentido nos últimos meses.

De alguma forma, sentia-se abençoado. Sabia quanto tempo tinha. Durante todo aquele tempo conseguiu organizar a sua vida. Toda. Conseguiu trazer para junto de si as pessoas junto a quem quereria morrer. Conseguiu tratar de papelada, conseguiu organizar os melhores momentos em família. Conseguiu, como se possível fosse, quase esquecer o que o levou ao sítio onde estava agora. Racionalizou tudo na sua vida, e aceitou, quase, a sua morte.

Naquele momento sabia que não queria estar noutro sítio. Faltava terminar mais um capítulo da sua vida. Faltava fechar, se possível com chave de ouro, vinte anos de ensino na “sua” faculdade.

Quando o vieram finalmente chamar à sala de professores, levantou-se de um ápice, perdendo momentaneamente o equilíbrio. Culpa dos medicamentos. “Estou bem”, assegurou aos seus pares. Depois caminhou, qual corredor da morte, lentamente, excruciantemente, os poucos passos que o separavam do Grande Auditório. Quando entrou, o silêncio apoderou-se instantaneamente da sala. Por um momento, no mais impressionante silêncio que viveu nos últimos sete meses e sete dias, sentiu a morte dentro de si. Sentiu-a mexer-se, como se de um bicho se tratasse. Sentiu que se apoderava dele, pouco a pouco, mas sem perdão. A morte não falharia. E iria, mais depressa ou mais devagar, tomar completamente conta dele.

Olhou em volta. Quase um milhar de alunos olhava-o, com o ar de pena que habitualmente caracterizava as pessoas que encontrava. Dirigiu-se lentamente para o palanque. Confiante. Com tão pouco tempo que tinha, nada podia correr mal. Tinha de ser tudo maravilhoso. Inesquecível. Não venceria a morte agora, mas nutria o ardente desejo de se libertar dela o mais depressa possível.

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