"An artist has no home in Europe except in Paris."
Friedrich Nietzsche
Se uma partícula encontrar a sua anti-partícula, é certo que ambas se destroem.
E esta história, era uma história igual a tantas outras, exceptuando que durante o tempo em que foi contada parecia diferente.
Ela era muito nova quando começou a fugir de casa e a encontrar o amor em camas vazias ou caixotes do lixo. Perdeu a virgindade antes de ter perdido a cabeça, pensava ela que era assim que se debatia dos males do mundo e deixava a loucura consumir-lhe o cérebro.
Soube argutamente, escolher os homens da sua vida, era neles que confeccionava a sua estranheza detalhada e era neles que encontrava a sua inspiração. Dizia ela que escrever assim, era melhor, primeiro sentia o horror da vida e depois, quando se fartava de vaguear voltava para a secretária e escrevia sobre a sua vida. Por isso, tentava albergar dentro do seu tenro corpo todos os amores e ódios e mudava de tema e de coração como quem muda de roupa para ver qual lhe assenta melhor.
E na verdade, foi assim que foi tendo sucesso, na sombra das pessoas que escutavam a sua história e a achavam diferente e ousada, sem consultarem no livro o tamanho da aldrabice dela ou o tamanho da sua própria mediocridade.
Um dia, convenceu o seu amante a levá-la a Paris, pois sabia desde criança que era lá que os artistas se fixavam e ela queria agora escrever na capital francesa, pisar todos os pontos obrigatórios para se ser artista – e julgava ela que aquela vida pensada ao pormenor de originalidade era tudo o que o era preciso.
Como eu fui parar a Paris, foi um acaso da sorte. Em nova, perdi lá um amor e nunca pensei lá voltar. Paris ecoava-me a solidão nas ruas, como se eu estivesse permanentemente a percorrer aqueles corredores de escola vazios em fim de tarde em que todas as crianças já tinham ido para casa menos eu, caída no esquecimento.
Por isso, ao contrário dos artistas, concentrei-me em curar as minhas feridas com álcool que me anestesiasse e que afastasse aquela dor física que eu sentia. E por isso, ao contrário dos artistas afastei-me de Paris.
Em ambientes hostis de aborrecimento, estendi as garras da minha existência, exigindo um direito às lágrimas e à minha tristeza tão ácida que me corroía mais o fígado do que o álcool.
E bebia e fumava sozinha, na escuridão dum quarto. Permanecia por descobrir, atrás de uma cortina negra que me separava da rua - enquanto esperava que aquela dor passasse.
E como nunca engoli os comprimidos de resignação que me deixavam todas as noites em cima da mesa-de-cabeceira com o copo de água para a minha ressaca permanente, fui-me rebelando contra os relógios de parede, contra as portas abertas e os exames obrigatórios. Cheguei a um ponto em que já nem suportava os horários dos autocarros e nesse dia, dei por oficial a minha doença.
Como para me curar dum mal que ninguém sabia qual era, sugeriram-me que viajasse, que apanhasse outros ares. E lá me levantei dum sofá como se o tempo, ele próprio me, tivesse criado artrite nos pensamentos.
Arranjaram-me um emprego em Paris, por ironia. E de malas pouco cheias, voltei àquela cidade de solidão, onde o meu amor ainda andava perdido. E a primeira coisa que fiz, foi percorrer os túneis do metro, à procura dele. Encontrei pedaços dele nas frestas das paredes e nos lugares vazios. Mas voltei para casa, nesse dia, sem o ter encontrado. Nos dias seguintes, fugir à ausência dele tornou-se no meu vício, a única heroína que acalmava o meu espírito.
Até um dia. Era Inverno e chovia muito e eu estava cansada daquela viagem e de todas as outras que nunca fizera. Percorria o metro uma vez mais, e na multidão desenfreada não havia qualquer sinal dele, como sempre. As cabeças mexiam-se como numa dança ondulante e eu imaginei os campos de searas frescos a ondularem ao sabor daquele vento. Quem me dera o céu azul, o vento na minha cara, o chão fresco da terra. Mas só havia a chuva violenta de Paris, os semáforos a gritar com os carros, e a multidão apressada em esconder-me o meu amor. Então, devagar deixei-me escorregar pela parede, enquanto de olhos fechados comecei a cantar. Era uma canção antiga, que me veio à cabeça, falava da multidão e dum amor de braços abertos que se perde. E eu não encontrava o meu. Fui cantando enquanto o frio me consumia: minha voz aquecia-me. Quando abri os olhos, as minhas mãos estavam como congeladas e à minha frente, havia um generoso balde de moedas. Alguém passou e disse de forma comovida, que eu cantava aquela música como a Edith.
E lá do fundo, uma rapariga que me fitava enregelou-se com este comentário. Parecia-se estranhamente comigo, tinha o mesmo cabelo apesar de parecer ser muito mais nova e na sua mão estava pousado um livro e uma agenda como se estivesse estado a escrever.
Olhei para ela de baixo para cima e vi quem eu poderia ter sido. Vi de forma clara a razão pela qual eu nunca encontraria o meu amor perdido. E fechei novamente os olhos.
Mas a rapariga não prosseguiu mais, porque chegou a casa e deixou de escrever.
Por toda a parte, tentam traduzir o sucesso em receitas. "Vai a Paris apaixonar-se", "vai a Paris ser artista". Mas na verdade, as coisas passam-se ao contrário. Foram os artistas de Paris que em tempos fizeram Paris a cidade dos artistas, e não o contrário. E, como no teu texto, aqueles que perseguem fórmulas em vez de viverem a sua diferença, acabam de cadernos fechados e vozes caladas em vidas monótonas. Adorei. :)
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