terça-feira, 27 de abril de 2010

Desafio XIX

Tiago para Ricardo:

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

Fernando Pessoa - Aniversário

Ricardo para Wings:

Homosexuality is god's way of insuring that the truly gifted aren't burdened with children.
Sam Austin



Wings para Alice in Wonderland:


"Love cannot save you from your own fate"


Jim Morrison











"Life is ours, we live it our way"








Metallica (Nothing else matters)


Blue Storm para Tiago:


"Art is a lie that makes us realize truth. "




Pablo Picasso

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Desafio XVIII - Resposta

“A melhor coisa que há ao fumar é o próprio acto em si. O sentir o fumo quando inspiramos e ele chega bem aos pulmões, e como que queima por dentro. E depois ficar levemente tonto e ao mesmo tempo alerta para as mais pequenas coisas. Parece que sentimos o sangue a fluir nas veias, não acham? E depois olhar para os padrões que o fumo faz enquanto sobre. É lindo. Pelo menos para mim é assim.”

“Isso é para ti que não estás habituado a fumar. Vais ver que isso passa depressa. Eh pá, és mesmo um menino!”

E à volta da mesa todos se riram. De repente fiquei foi sem vontade de acabar o cigarro. Mesmo estando só a meio, apaguei-o de repente. Foi um gesto algo ridículo, um quanto exagerado ou melodramático. Mas não faz mal, não tem problema. Ninguém nem sequer reparou. Porque quando ele está presente, é como se eu fosse transparente. Sou o melhor amigo transparente.

“Pessoal, tenho uma sugestão. Há ali na zona de Arroios um hospital, ou lá o que é aquilo, que está abandonado. Era fixe levarmos uns sacos-cama, eu levo a guitarra, mais umas velas, e passávamos lá uma noite. Que acham?”

“Mas esse sítio não está cheio de drogados? Isso não é perigoso?”

Não vale a pena. Nem sequer me escutam.

“Que fixe! Boa ideia.”

Conheço-o desde que éramos ambos miúdos, e ele sempre foi assim. Tínhamos seis anos e ele já tinha os melhores brinquedos. Depois crescemos, e dos melhores brinquedos ele passou para as melhores consolas de jogos. Foi o primeiro a ter computador. Isso, e todas aquelas coisas que importam quando se é novo e não se tem responsabilidades. Todas aquelas coisas que fazem de um rapaz melhor que os outros. Foi o primeiro a descobrir as mulheres, o primeiro a conseguir uma mulher, o primeiro a partir o coração a uma rapariga da turma. Exactamente aquela de quem eu gostava. Olhava-me nos olhos e beijava-a à minha frente. Mas não faz mal, não tem problema. Ela nem era assim tão importante.

Um dia decidiu que devíamos ir a um café pedir uma cerveja, beber e fugir a correr. Tínhamos doze anos. Fomos, pedimos, e serviram-nos a bebida, porque ele é assim, quando ele quer alguma coisa parece que os outros ficam encantados. Ele toca a sua música, as serpentes dançam, e ele consegue sempre o que quer. Mas depois, na hora do fugir, nem me avisou, nem me tocou no ombro, nem me gritou “corre”. Esquivo como o fumo de um cigarro, simplesmente correu. Então eu fiquei e paguei. Mas não faz mal, não tem problema. Por algum motivo ele engraçou comigo. E eu acompanhei-o em todas as aventuras parvas. E apesar de eu ser a rede enquanto ele brilhava no trapézio lá em cima, sentia-me um bocadinho maior por causa disso. Pelo menos, não era eu o público que aplaudia.

Depois veio a universidade, e era como se fosse um universo criado à medida dele. Estava a léguas de toda a gente. Exibia-se e pavoneava-se, passeava-se de mota, no seu blusão impecavelmente podre, gasto, um manto onde projectava a imagem de gente grande e vivida. E nunca, em nenhum momento, eu deixei de o acompanhar quando faltava às aulas para ficar no bar a fazer planos loucos e irrealizáveis, a contar histórias com um nível demasiado elevado de distorção. E o que mais me confundia era que aquele tipo, ao mesmo tempo, era o melhor aluno da turma. Mas não faz mal, não tem problema. Eu também não me saía nada mal. Enquanto ele vivia à grande, eu ia crescendo aos bocados.

Naquela noite, eu recordava tudo isto enquanto as cervejas continuavam a vir para a mesa. Periodicamente buscava no relógio a esperança numa desculpa para sair daquele lugar. Finalmente, chegou a uma da manhã, hora de fecho do café. A música de fundo parou, convidando-nos a pagar e a sair. Mas não faz mal, não tem problema. A hora não poderia ter chegado mais cedo para mim.

“Aguenta aí um pouco, preciso de falar contigo. Podes vir a minha casa?”

Conseguia cheirar o álcool na voz arrastada. Dificilmente me escaparia a uma das conversas sonsas, das declarações ocas de amizade, arrastadas pela bebedeira, que periodicamente me fazia. E dizia-me como eu era o único amigo verdadeiro que ele tinha, e dizia-me que as pessoas são todas podres, que odeia como lhe prestam vassalagem, que ele não quer ser nenhum James Dean. E eu digo-lhe que é na boa, que não faz mal, não tem problema. Digo-lhe para ser apenas honesto, para deixar a sinceridade falar mais alto, para recriar a imagem que têm dele e ser livre dessa forma. E ele diz-me que eu não entendo, mas que talvez um dia tenha coragem para ser sincero. E esse dia acabou por ser aquela noite.

“Escuta, eu sei que te trato um bocado mal. Hoje na história do tabaco excedi-me. Desculpa. Tu és a única pessoa com quem eu consigo ser eu mesmo. Desculpa se abuso de ti.”

“Não faz mal, não tem problema.”

“Tem problema sim. Tu não sabes como é a minha vida. Eu não sou o que ninguém pensa. E sinto-me cada vez pior.”

Tirou a t-shirt preta que vestia à minha frente, ali, no quarto dele. Depois, tirou as calças. E por algum motivo, veio-me à cabeça a imagem de S. Sebastião, tão louro como aquele rapaz na minha frente, tão despido, tão desprotegido, tão mutilado. No lugar onde as flechas atravessavam o corpo do santo, este santo à minha frente tinha cortes profundos na pele, cobertos por pensos minúsculos, ensanguentados. As flechas que o atingiram foram atiradas por si mesmo.

“Ridículo, não é? Pareço uma miúda adolescente. Mas eu... Eu tento, eu tento levar uma vida normal. E até consigo. Mas depois à noite, sozinho neste quarto, com a pressão dos meus pais, com os outros lá fora sempre à espera que eu seja uma espécie de guru... Eu não aguento.”

“Não faz mal, não tem problema.”

Mas a minha voz e o meu engolir em seco não conseguiam esconder o meu julgamento.

“Eh pá... eu amo-te.”

E depois de o dizer baixou a cabeça, e eu imaginei tão forte como o real, que aquele era S. Sebastião que finalmente caía morto. Afinal a flecha fatal tinha sido minha.

E, desta vez, fui eu a fugir. Tão esquivo como ele quando corríamos juntos pela cidade, quando fugíamos das cabinas onde telefonavamos para casa das pessoas a dizer que o marido ou a mulher de quem atendia estava preso, quando fugíamos da escola por entre as grades para ir experimentar alguma bebida alcoólica em casa dos meus pais, quando jogavamos à bola. Nessas alturas ele era sempre mais rápido, chegava sempre mais longe mais depressa. Só naquela noite, cheguei mais depressa à porta do que ele conseguiu levantar o olhar. O click da fechadura atrás de mim não conseguiu esconder um soluço. E o choro. Amigo, lamento ter deixado de ser a tua rede.

Mas não faz mal, não tem problema. No fundo, era disso que ele andava à procura. Ele era um deus maltratando-se a si mesmo, à espera de ser expulso do Olimpo. Aquela noite, da minha humilhação e fuga transformada em vitória, foi a noite em que entendi que aquilo que nos faz mal, mais do que os problemas, é o excesso de vitórias. Os problemas são como barreiras que se saltam, cervejas roubadas que se pagam, são precalços com os quais crescemos. O que nos faz mal é o demónio do triunfo constante, é olhar para cima e só ver céu. Esta foi a noite em que aprendi que não se pode ser um ídolo sem se ter um ídolo. Enquanto vivi na sombra, fui aprendendo a crescer sustentando-me em quem sou. E ele, de tão à frente que estava do Mundo, era como um astronauta solitário em órbita durante anos, criando personagens para não se sentir sozinho, enlouquecendo por só conseguir dialogar consigo mesmo. E mesmo que na próxima segunda-feira ele lá estaria na universidade, chegando de mota com o mesmo sorriso confiante e o mesmo casaco poeirento, agora sabia que a vida iria um dia engoli-lo. E quando o engolisse, eu já não estaria lá mais para o amparar. A partir daquele dia, seria eu a engolir a vida.

domingo, 25 de abril de 2010

Desafio XV - Resposta

"Eu agora tinha a morte dentro de mim. E é horrível estar grávido da morte."
António Lobo Antunes

“Seis meses”.
Há sete meses que este espaço temporal o perseguia, todos os dias. A toda a hora, a todos os momentos. Há sete meses que fecundava dentro de si uma morte lenta, excruciante, apenas tratada, e a custo, com muitos comprimidos e analgésicos.

“Seis meses”.
Hoje, exactamente sete meses e sete dias depois desse fatídico dia, ele estava na sala de professores pela última vez. Vestia o seu melhor fato, como se do seu enterro se tratasse. Tinha tudo preparado. Tremiam-lhe os papéis nas mãos, as suas cábulas, como se da primeira aula da sua vida se tratasse. Sentia um nervoso miudinho, misturado com adrenalina, alegria, tristeza, e todos os outros sentimentos que tinha sentido nos últimos meses.

De alguma forma, sentia-se abençoado. Sabia quanto tempo tinha. Durante todo aquele tempo conseguiu organizar a sua vida. Toda. Conseguiu trazer para junto de si as pessoas junto a quem quereria morrer. Conseguiu tratar de papelada, conseguiu organizar os melhores momentos em família. Conseguiu, como se possível fosse, quase esquecer o que o levou ao sítio onde estava agora. Racionalizou tudo na sua vida, e aceitou, quase, a sua morte.

Naquele momento sabia que não queria estar noutro sítio. Faltava terminar mais um capítulo da sua vida. Faltava fechar, se possível com chave de ouro, vinte anos de ensino na “sua” faculdade.

Quando o vieram finalmente chamar à sala de professores, levantou-se de um ápice, perdendo momentaneamente o equilíbrio. Culpa dos medicamentos. “Estou bem”, assegurou aos seus pares. Depois caminhou, qual corredor da morte, lentamente, excruciantemente, os poucos passos que o separavam do Grande Auditório. Quando entrou, o silêncio apoderou-se instantaneamente da sala. Por um momento, no mais impressionante silêncio que viveu nos últimos sete meses e sete dias, sentiu a morte dentro de si. Sentiu-a mexer-se, como se de um bicho se tratasse. Sentiu que se apoderava dele, pouco a pouco, mas sem perdão. A morte não falharia. E iria, mais depressa ou mais devagar, tomar completamente conta dele.

Olhou em volta. Quase um milhar de alunos olhava-o, com o ar de pena que habitualmente caracterizava as pessoas que encontrava. Dirigiu-se lentamente para o palanque. Confiante. Com tão pouco tempo que tinha, nada podia correr mal. Tinha de ser tudo maravilhoso. Inesquecível. Não venceria a morte agora, mas nutria o ardente desejo de se libertar dela o mais depressa possível.

Desafio XVIII- Resposta

Não etendes? Acabou. Deixa-o, deixa-o só. Acabou não etendes? Já não te ama, já não te não ama. Sim, ele lamenta. Mas já te esqueceu. Por isso, não é uma questao de te não amar. Já acabou, nada existe. Ele morreu, o eu dele que te amava, morreu. A tua insistencia patética em algo lógico como a morte exasperou-o ao ponto de perder o eufemismo. Não lamenta, e-lhe inteiramente indiferente. Queres insistir, queres chorar? Ele já te esqueceu, já não existes. Acabou.
Não te humilhes é desnecessário. Quando o amor cessou abriu-se uma enorme cova no coraçao dele. Que cobriu todos os dias com escassos pedaços prateados da tua doce memória. Vês, o passado é inutil. Este passado é inutil. De que lhe vale ter-te amado se já não te ama? Nem sequer te não ama, sente –se absolutamente indiferente. De que lhe serviu?
É-te util, a ti? Essas lágrimas doces e àcidas que te escorrem dos olhos até aos espirito, quando se esgotarem, vão deixar uma funda cicatriz no peito. Vai-te ser indiferente , ele, um dia. Vais lamentar duramente essa humilhação ridicula para teres de volta algo que já não existe.
“Não etendes?!”. A voz dele , grave. Funda. Mas o que te doi é o desinteresse melódico com que fala. Ah, agora a consciencia alcançou a tua mente. Etendeste. As palavras estão gastas, o passado é completamente inutil. Conseguiste até esgotar-lhe o silencio.
Esgotaste-o, a ele. E à sua voz, grave funda e melódica. Ele morreu , agora simplesmente existe sem ti. Preencheu a cova do coraçao com a tua ausencia. Já não existes. Esqueceu-te inteiramente, largou o estado paradoxal de te não amar amando-te.
Antigamente, costumava lamentar a tua ausencia. Ou a ausencia de si proprio. Ou o conceito de fim que estrangulava o coraçao .
Mas “o passado é inutil como um trapo”.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Desafio XVIII - Resposta

"Anger is an acid that can do more harm to the vessel in which it is stored than to anything on which it is poured."

She told me this when she left me.
And there I was, alone with my vessel. Full.


When she returned, three years later,
I was standing in the same place, in the same street where she told me I was not the one I was supposed to be.
I was dressing the same heart, the same not supposed heart. And the vessel was standing by me. It remained full.

She crossed the road and kissed me as if I always had been the one that I was not supposed to be since ever.

I was just a transfer station of her trip. That was all I could ever dream to be.

I kissed her too.
In that night we became the old ones. And when I fucked her, I left the full vessel with her.

“You were so right baby,
and I never want to harm me.”

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Desafio XVIII

Tiago para Blue Storm:

"All the world's a stage,
And all the men and women merely players;
They have their exits and their entrances;
And one man in his time plays many parts"

William Shakespeare

Wings para Ricardo:

When I was young I was the nicest guy I knew
I thought I was the chosen one
But time went by and I found out a thing or two
My shine wore off as time wore on
I thought that I was living out the perfect life
But in the lonely hours when the truth begins to bite
I thought about the times when I turned my back & stalled
I ain't no nice guy after all

When I was young I was the only game in town
I thought I had it down for sure,
But time went by and I was lost in what I found
The reasons blurred, the way unsure
I thought that I was living life the only way
But as I saw that life was more than day to day
I turned around, I read the writing on the wall

I ain't no nice guy after all


Motorhead, I ain't no nice guy


Blue Storm para Alice in Wonderland:

"Anger is an acid that can do more harm to the vessel in which it is stored than to anything on which it is poured. "


Mark Twain

Alice in Wonderland para Wings:

"O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas. Adeus."

Eugénio de Andrade



Ricardo para Tiago:

"Imperious, choleric, irascible, extreme in everything,
With a dissolute imagination of the like which has never been seen,
Atheistic to the point of fanaticism,
There you have me in a nutshell.
And kill me again or take me as I am,
For I shall not change. Never."

Marquis de Sade, conforme citado em "An Erotic Alchemy" dos Moonspell

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Desafio XVII - Resposta

Ofereceram-me algumas folhas e uma alguns lápis de cor, e pediram-me que desenhasse o Mundo como ele deveria ser. E fiz como toda a gente faria. Usei o lápis verde até o gastar. Pintei árvores e plantas, ao longe e ao perto, em planaltos suaves e em escarpas de montanhas inacessíveis. Plantei no desenho fileiras de choupos e salgueiros, tanto quanto alguma espécie específica se deixa desenhar com os meus rabiscos, e por entre elas pintei riachos correndo calmos, da mesma cor azul que usei no céu. Nem por um momento a minha imaginação se lembrou que riachos tingidos de azul é coisa que nunca se viu. Só que este não é o Mundo como ele é. É o Mundo como ele deveria ser.

Àquele ideal de Natureza intocada faltava ainda vida animal. Então, dei-lhe todos os animais que consegui representar. Os cães, as ovelhas, e as cobras – que são as mais fáceis de todas. E depois achei-me infantil. Então isto era para ser o Mundo como ele deveria ser, e não há pessoas? Rasguei a folha e comecei de novo.

Deixei-me de parvoíces naturalistas. Não vale a pena desenhar paraísos sem o Homem. E portanto, desenhei o paraíso do Homem. Uma longa extensão amarela ponteada e um azul sem fim, com uma escarpa acastanhada de rocha nua ao fundo, sem vegetação, porque já tinha gasto o verde, uma cadeira e um chapéu de praia, et voilá!, o paraíso. E depois achei-me fútil. Então para mim a perfeição é não fazer nada, e o Mundo devia ser só ócio? Apertei a folha entre as mãos até fazer uma bola e projectei-a para longe.

Comecei de novo. Pensei bem – o que se pode querer de um Mundo como ele deveria ser? Talvez paz, amor, harmonia, solidariedade, caridade, e todas as outras coisas com que se alimentam as candidatas em concursos de beleza. Sem divisões e querelas mesquinhas. Sem lutas, sem desentendimentos, sem paixões por deuses, nações ou outras crenças menores. Mas como se desenha isso? Cheguei à conclusão que desenhar isso é o mesmo que não desenhar coisa nenhuma. E risquei, risquei o papel com todas as cores, ou restos de lápis quase gastos, tornei-o tão complexo quanto possível. O Mundo é assim, um encontro de rumos distintos, contrários, tocando-se e logo se desligando. Este é o Mundo dos humanos. No verso da folha está o contrário disso, está o Mundo como ele deveria ser: uma folha em branco. E aí achei-me demasiado radical. Então um Mundo sem conflito é um Mundo vazio? Bom, mesmo assim vou guardar esta folha para o futuro.

Não pode haver Mundo sem vida, e vida é também humana. E quando metemos o factor humano na grande máquina de fabricar Mundos, metemos os seus gostos, os seus medos, as suas aspirações, as suas fábulas. Sejam essas fábulas coisas menores como os deuses e os países, ou maiores, como a arte e o amor. E achamos realmente que podemos apartar o que é mau e ficar com o que é bom, sem entender que a vida bem vivida é aquela que tira partido de todas as faces, negras e claras, dos nossos dias. E aí achei-me finalmente inspirado. Então o Mundo melhor tem que ser aborrecido? Peguei na última folha, e desenhei a vermelho. Era o lápis que me restava.

Representei um carro transparente numa estrada que se bifurcava mais à frente em duas estradas concorrentes – uma à esquerda, outra à direita. No meio da bifurcação, coloquei uma parede de tijolo. O carro deslocava-se a grande velocidade, como mostravam os tracinhos concêntricos que coloquei na zona atrás da retaguarda do carro. Dentro, iam cinco pessoas também genéricas, que desenhei com simples figuras de cinco linhas, um tronco, duas pernas e dois braços, e uma bola como cabeça. Quebrando a sua aparente igualdade, cada uma das pessoas era dona de balões de diálogo, como na banda desenhada.

O condutor, identificado pelos braços no volante, dizia “E agora, para onde viro?”
O passageiro ao lado, com os braços para o ar e sem cinto de segurança, dizia “Dá-me o volante, eu é que devia estar a conduzir!”
O passageiro da esquerda do banco de trás olhava pela janela e dizia “Estes campos aqui à esquerda são tão bonitos, como é perfeito este lugar.”
O passageiro do centro do banco de trás olhava em frente com os braços na cabeça e dizia “Estamos perdidos, vamos todos morrer.”
O passageiro da direita do banco de trás dizia “Direita, vira à direita.”

Nesta vida haverá sempre aqueles que conduzem, aqueles que querem conduzir, e aqueles que viajam no banco de trás. Mas já que o que me pediram foi para desenhar o Mundo como ele deveria ser, coloquei riscos por cima dos balões de toda a gente. E usando o bocadinho de lápis que me restava, coloquei um grande balão que os quatro ocupantes gritavam, em maiúsculas, ao condutor do carro que seguia em frente, como que recusando qualquer um dos dois caminhos fáceis e tão trilhados já:

“Mais depressa!”

domingo, 18 de abril de 2010

Desafio XVII- Resposta

Regressou àquela estrada. Onde se perdeu num vento agradavel de Verão , onde gastou os ultimos raios de Sol de uma época àurea. Regressou e foi como ver um fantasma seu a vaguear por uma vida que , na verdade, nunca pode ter.
Não que lamente. Ou que não lamente. Acabou, que mais é que pode ele pensar? Ou sentir? Naquele tempo, a estrada era um caminho novo, lembra-se bem. Tambem era ele novo, um ser regenerado por uma visao inovadora do conceito de existir. Naquele tempo estava disponivel para viver uma existencia alternativa. Mais sensorial, mais humana. Aquela estrada foi a metáfora do coraçao , desejoso de uma mudança romantica mas brusca, numa vida que estava a deixar-se adomercer na monotonia. Aquela estrada foi o caminho novo que a mente dele percorreu para o salvar de uma vida que ele não queria e, que por sua vez, o tambem não desejava.
Aquela estrada, aquelas placas banais, aquele café de ocasiao ( iguais a tantos outros, de tantos outros sitios) foram o sol radiante de uma epoca dourada que estava a escorrer pelos dedos dele. Como àgua. Aquela estrada, aquele novo e recente caminho, foi o ultimo grandioso folego de uma vida que ele não podia ter. Porque, todos os novos e inovadores caminhos , envelhecerão. E passarao a ser apenas mais um, com mais um café de ocasiao. E pessoas sem rosto garavado no fundo da memória sensorial dele. Porque aquela estrada, que tao docemente o salvou de uma vida que ele não queria, não era o definitivo destino dele. Era apenas um viajante, nada mais que um ser com o coraçao numa chama viva a procura de aventura e perigo e uma mente faminta de ser instruida numa estrategia ainda melhor e maior.
Regressou aquela estrada. Já lá voltou muitas vezes. Mas nunca mais viu o cenário esplenderoso que viu quando se perdeu lá a primeira vez, um cruzamento de tantas opções possiveis na vida. Nunca mais viu o que viu da primeira vez, a novidade. Morreu. Os olhos dele mudaram com o esgotar daqueles raios de sol de uma epoca grandiosa. Mas que não era o caminho final de um ser sedento de experiencia sensorial em que ele se estava a tornar.

sábado, 17 de abril de 2010

Desafio XVII - Resposta

Lembro-me exactamente do dia em que te conheci. Desse dia em que soube que a vida e a morte eram a mesma coisa e tu eras ambas. O que disseste estava para além do mundo óbvio, construído de monotonias diárias. Lembro-me da tua cor, num mundo a preto e branco demasiado bolorento.
Lembro-me exactamente de saber que um dia ia arrepender-me de ter conhecido. Tive essa consciência, a mesma que tenho agora, de que nunca devíamos ter trocado de corações naquele momento. Um olhar trocado teria servido para várias noites de paixão.
Mas tu eras a inevitável morte que eu dolorosamente esperava. A faca que um dia cortaria os meus pulsos sob o meu próprio prazer. Eras a vida em cada lâmina de sol que insuflavas nos meus pulmões.
Fizemos tantos planos...
Hoje, fecho os olhos e desejo que nada disto tivesse acontecido. Foram demais todos esses planos, porque hoje vejo-os em cada esquina da rua. Vejo-os em cada cigarro que fumo. E tornei-me nesta pessoa, que não passeia e não fuma para não realizar planos que fez contigo. Para não se lembrar da tua cor esbatida, num mundo que escureceu.
De que valeu todo aquele amor? Nunca foi suficiente.
Essa é a verdade. O amor não serve para nada.
Se servisse, eu não precisava de estar nua aqui deitada debaixo dos lençóis, a dizer-lhe que o amo, quando o coração que me bate é o teu.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Desafio XVI - Resposta

Como uma saudade destemida e persistente, tenho na cabeça a latejar a ideia do que poderia ser, do barro com o qual te dei forma, por minhas mãos. Como um feto sem vida, tenho nas ideias uma semente em permanente germinação, uma árvore nunca conseguida, uma falta sem nome. Como amante da realidade que nunca chega a sê-lo, tenho uma sede desmedida do que não é, uma fome daquilo que não posso sequer definir. Como um abraço apertado que não se sente, miro os vultos que se formam nas janelas, corro atrás dos desconhecidos que julgamos conhecer para apenas lhes tocar no ombro e desvendarmos uma face nunca vista. Como amiga de quem perdeu tudo o que nunca chegou a ter, afogado por marés de quês e abatido por tempestades de porquês, movimento-me nos espaços entre a vida que tenho e a que quero, angustio-me pelas ruas desconhecidas de um local estrangeiro à minha cidade. Sou como eu sou. Sou dona de um amor que não se desfaz com o quotidiano, sou mestre num Mundo que é interior mas está do avesso, sou a minha própria imagem projectada no homem que vi em ti. E o que ficou de ti foi mais do que tu foste. O que ficou de ti foi a saudade que lateja, como sempre quando aquilo que nos falta é o que nunca tivémos. O que ficou de ti germinou após regado com o tempo, e os frutos dessa árvore sem raízes alimentam a minha inquietação crescente, fazem-me procurar-te em todas as janelas e em todos os desconhecidos enquanto corro pelas vielas mais distantes dessa cidade onde te conheci. Busco-te, e nem sei o que busco. Porque afinal a vida ainda te anima em algum lugar distante, e és uma pessoa real. Mas o teu corpo não é mais que a carcaça de uma ideia que é minha, o ídolo da minha religião privada. O tu a quem falo não existe e nunca existiu. O tu a quem falo é uma lacuna preenchida pelo amor.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Desafio XVII


Tiago para Wings:

This New Road will some day be the Old Road, too...
Neil Munro


Wings para Blue Storm:

" A ambição parece sempre começar por onde devia acabar"


Provérbio

Ricardo para Alice in Wonderland:

todo o amor do mundo não foi suficiente porque o amor não serve de nada.
ficaram só os papéis e a tristeza, ficou só a amargura e a cinza dos cigarros e da morte.
os domingos e as noites que passámos a fazer planos não foram suficientes e foram
demasiados porque hoje são como sangue no teu rosto, são como lágrimas.
sei que nos amámos muito e um dia, quando já não te encontrar em cada instante, em cada hora,
não irei negar isso. não irei negar nunca que te amei. nem mesmo quando estiver deitado,
nu, sobre os lençóis de outra e ela me obrigar a dizer que a amo antes de a foder.

José Luis Peixoto, “A criança em ruínas”


Alice in Wonderland para Tiago:


Mania do Suicídio


Às vezes tenho desejos
de me aproximar serenamente
da linha dos eléctricos
e me estender sobre o asfalto
com a garganta pousada no carril polido.
Estamos cansados
e inquietam-nos trinta e um
problemas desencontrados.
Não tenho coragem de pedir emprestados
os duzentos escudos
e suportar o peso de todas as outras cangas.
Também não quero morrer
definitivamente.
Só queria estar morto até que isto tudo
passasse.
Morrer periodicamente.
Acabarei por pedir os duzentos escudos
e suportar todas as cangas.
De resto, na minha terra
não há eléctricos.


Rui Knopfli

Blue Storm para Ricardo:

"Imagine there's no countries


It isn't hard to do


Nothing to kill or die for


And no religion too


Imagine all the people


Living life in peace "




John Lennon, Imagine






terça-feira, 13 de abril de 2010

Desafio XV - Resposta

Fale-me dessa pessoa.

É um tipo engraçado. A sério que é. Sabias que quando era novo deram com ele a afogar-se na Arrábida, a dizer que estava a tentar chegar a Tróia? É que ele faz-me rir só de pensar naquela figura escanzelada, aquele cabelo seboso, sempre tão porco. É cómico a andar, a falar, a mexer-se, naquele tique nervoso que apanhou na vista quando troca os olhos enquanto fala. Sabias que quando era miúdo apanharam-no a comer cimento? Dizia que era para ficar forte como as casas. Se calhar por isso é que não conseguiu nadar até Tróia. É um fartote, digo-te.

Quando o conheceu?

Conheço-o desde pequenino. Conheço-lhe a família toda. A mãe era uma professora solteirona, tinha um cabelo muito curtinho, uns óculos de velhota presos por um fio ao pescoço, e andava sempre de camisolas de rapaz com padrão de losangos. Os miúdos chamavam-lhe Maria-Homem. Era professora do secundário. Falava como se soubesse tudo, e estava sempre com dores. Dizia com ar grave “meninos, por favor falai baixo que me dói a cabeça”, mas sempre no mesmo tom e sem se mexer. Um dia, a Maria-Homem arranjou um homem, um velhote que tinha um café lá na rua e que foi morar com ela. Ela já tinha uns quarenta anos. Quase não criou barriga, mas nove meses depois de irem morar juntos, o miúdo cá apareceu. As más línguas diziam que era adoptado. Bom, se me perguntares, eu acho que o que aconteceu foi que os espermatozóides do velho lá deram com um último óvulo esquecido que ainda funcionava naquela mulher.

Como era a relação dele com os pais?

Ui, aquilo foi um inferno. A Maria-Homem vestia-o com as mesmas camisolas dela. Andava de calções, até no Inverno, e com uns sapatinhos pretos envernizados que já naquela altura eram maricas. E estava sempre a tentar ensinar-lhe tudo, em todo o lado. Chamava-lhe a atenção para coisas que ele não queria saber. E arranjava uma dor num sítio diferente do corpo, que metia pelo meio de duas frases mal construídas no jornal. “Querido, veja esta, e nunca se esqueça que o ‘a’ de haver é com ‘h’. Agora vá ali buscar aquela almofada que a mãe está com picadas nos pés.” Ele lá dentro daquela cabeça não conseguia perceber se ela sabia tudo ou se não sabia nada. Não conseguia varrer aquele lixo todo da cabeça. Para ele, errar começou a ser como estar doente. E, como errava muito, achava-se uma criatura muito fraca. Se calhar é por isso que comeu cimento.

Errava? Como assim?

Errava, fazia coisas mal, não conseguia resolver exercícios na escola, nem escrever direito como os outros meninos. Não entendia as brincadeiras. Estava muito atrasado no desenvolvimento.

E como foi a adolescência dele?

A adolescência foi uma luta com a mãe. Sabias que a mãe queria que ele fosse médico? E ele até tinha jeito, gostava de ciências e tal. Mas aquilo de crescer foi complicado para ele. Fartou-se da mãe e começou a dar erros de português de propósito. Tirava negativas porque os professores nem conseguiam ler o que ele escrevia. E como ela dava aulas na escola onde ele andava, e ainda por cima foi professora dele, imagina. Sabias que ela mesma teve que o chumbar a Português? Aquilo custou-lhe que se fartou. Até meteu dó aos outros miúdos ver a cara dela na última aula a dizer-lhe a nota. Sete valores, redondos. E ele, nas suas sete quintas. Até sorriu e tudo. Era danado, aquele tipo.

E o pai? O que pensava o pai de tudo isso?

O pai mal falava. Estava lá, ouvia a mãe e nem reagia. Ia buscar-lhes os medicamentos e as almofadas e abanava a cabeça quando ela lhe mostrava o jornal e dizia “já viste isto?, francamente, é de revoltar qualquer um”. Fazia-lhe festas na cabeça quando era criança, e depois nem isso. Mas ele não se importava. Ele sempre viu o pai como uma espécie de avô. Bisavô, talvez. Distante, mas dali também não vinha mal nenhum. E a Maria-Homem fazia na boa de mãe e de pai. É engraçado, porque anos depois de sair de casa, o pai tornou-se o melhor amigo e companheiro dele.

Disse antes que ele começou a dar erros, e a achar-se fraco por isso. E então dava erros de propósito. Mas quando é que ele começou a partir para a delinquência?

Quando não conseguiu entrar na universidade. Nem depois de três anos a tentar. Quer dizer, ele dizia que tentava, mas nem ia aos exames. Aquilo era um desgosto desgraçado para a Maria-Homem. Só lhe perguntava, “e agora, o que vais fazer da vida?”, e ele só sorria. Deve ter sido um desgosto maior ainda quando ele fugiu de casa. Quer dizer, ele era adulto, aquilo foi só sair de casa. Só que não avisou. E na cabeça dele, foi fugir. Aquilo era um sujeito engraçado. Sabias que ele um dia foi a Tires com uma arma e roubou um avião com um piloto? Obrigou-o a levantar. E depois lá em cima atirou-se de pára-quedas. O sacana tinha piada. E ele achava piada a essas coisas.

E depois disso, rapidamente arranjou um belo cadastro. Assaltos à mão armada, tráfico internacional de droga, já para não falar no consumo. E talvez não tivesse sido apanhado nessa vez do pára-quedas, mas nas outras todas foi sempre. Em Tróia, tentou fugir a nado à Polícia, que, diga-se, ia numa lancha; em Tires, tentou saltar de pára-quedas com uma mochila cheia de cocaína, sendo que o piloto avisou a polícia que estava à espera dele mal tocou no solo. E isto para não falar nas aventuras em aeroportos na Colômbia.

Sim, e então? Achas mal?

A sociedade acha mal. Você não o condena?

Nem um pouco. Ele divertiu-se à grande. Para quê ser como essas pessoas que querem fazer tudo certo e são tão doentes como quem erra? Um nojo essa gente calada que chega ao fim da vida e sente que a desperdiçou. Eu acho que ele sabotou a própria vida, sim. Mas só a parte da vida que é normal, como a de toda a gente. E fez muito bem. Olha, ele viajou, ele andou por toda a parte, viu o Mundo inteiro. Teve dinheiro, teve mulheres. Teve tudo o que as outras pessoas passam a vida a querer. De vez em quando era apanhado quase de propósito, mas a vida na cadeira era bem relaxada. E as penas pequenas. Afinal, ele não matou ninguém. Se queres que te diga a verdade, até acho que ele algumas vezes foi cumprir tempo na vez de alguém. Ele gostava de relaxar lá. Tem o pai, que o vai visitar, e que conversa um pouco com ele, e que lhe diz que vai ficar tudo bem. E fica.

Mas deve ser difícil para ele viver com a culpa. A culpa de estar a cometer crimes, a culpa de errar e ser apanhado. Às vezes, ele ainda deve querer... comer cimento, para ficar mais forte. Não acha?

Ora, isso de momentos de dúvida todos temos. O pai está lá para isso mesmo. Para lhe mostrar que se tivesse seguido uma vida normal, casado com uma Maria-Homem qualquer, estaria bem pior do que preso. O pai tem muito orgulho nele.

(...)

Que aconteceu?

Oh... Desculpe, emocionei-me. O pai é o melhor.

Oh, meu querido filho. Não penses nisso. Todos os pais querem o melhor para os seus filhos. E eu só quero que tu tenhas tudo de bom. Tudo o que eu não tive.

Desafio XVI - resposta

“Nós somos aquilo que fazemos, e deixamos de ser aquilo que deixamos de fazer."

Está no vento. Num bosque com sabor a framboesas doces. Ou numa noite delicada que puxa a aventura de dentro da pele. Com aquela dor sedutora da respiração agarrada num último fôlego.
E és tu que a seguras. Como uma bola de sabão que não rebenta ao teu toque.
Que sobe, sobe, sobe até ao céu azul, estrelado. Até ao limite. E a bola de sabão é o teu céu azul, as estrelas que vias através da superfície translúcida dum pedaço de vidro esférico que transformaste.
E esse limite é toda a beleza que existe. Que contem uma bola de sabão que não rebenta nas tuas mãos.

És só tu nesta melodia.

E só morreste nesse segundo, em que o ar sustentado estava à tua espera e o baixo relaxava. Quando tu tinhas morrido e já não voltarias para compor.

(em memória de Cliff Burton que compôs Orion)

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Desafio XVI- Resposta

No final perdemo-nos, não ves que no final nos perdemos? O mundo é o que é porque não podia ter sido outra qualquer coisa. Não ves que nos perdemos na imortalidade? Perdes o teu rosto, a tua memoria. O teu aroma. Não é uma filosofia em prol do conforto interior barata. Não, etende.É a morte que orienta a vida. Mesmo que seja a morte espiritual, mesmo que seja o fim que vem antes do fim. Sabes que vais findar como uma folha leve a cair no Outono. Se não tivesses consciencia da tua efemeridade não eras tao resistente.
Porque a tua diferença para os outros é esse horizonte gigantesco, é esse horizonte muito maior que o teu ser. Vês uma parte do futuro , ves uma fracçao da tua propria morte. Mas etende, a tua maldiçao é o teu dom. Podes escolher onde e como morrer.Aliás, morrerás como vives daí a importancia da filosofia existencial que inventaste para ti- mesmo que seja uma não-filosofia.
No final perdemo-nos na infinidade do infinito. Porque somos só Homens, tornamos o infinito limitado porque o não concebemos de uma outra forma. O tudo e o nada são uma mesma coisa. Sei que queres perdurar, queres que o teu aroma permaneça no Mar Queres que, alguem longiquo, se relaxe ao sabor do vento que tem a melodia suave da tua voz.
Mas a tua existencia vai-se gastar como uma pétala de uma rosa.Mesmo que seja uma rosa azul, etende, vai se desfazer em pequenos nadas.
É o fim que te faz querer viver.
E é viver tudo o que necessitas de fazer para seres feliz na tua presença. Constroi a tua filosofia, mesmo que seja uma anti-filosofia, e senta-te a beira-mar.Admira a esplendorosidade da Natureza que te supera temporalmente, a simplicidade e beleza conjugadas numa filosofia funda e sensorial.Se não fosse breve não darias tanta importante a cada respiraçao profunda.
Who wants to live forever?

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Desafio XVI

Tiago para Alice in Wonderland:

"Nós somos aquilo que fazemos, e deixamos de ser aquilo que deixamos de fazer."

Kielhofner (tradução livre)


Alice in Wonderland para Ricardo:

Ela diz que é ao contrário, que ela não pode esquecê-lo. Que a partir do momento que não se passa nada entre eles, fica a memória infernal daquilo que não acontece."

Olhos Azuis, Cabelo Preto - Marguerite Duras



Ricardo para Blue Storm:

Dentífona apriuna a veste iguana
de que se escalca auroma e tentavela.
Como superta e buritânea amela
se palquitonará transcêndia inana!

Que vúlcios defuratos, que inumana
sussúrica donstália penicela
às trícotas relesta demiquela,
fissivirão boíneos, ó primana!

Dentívolos palpículos, baissai!
Lingâmicos dolins, refucarai!
Por manivornas contumai a veste!

E, quando prolifarem as sangrárias,
lambidonai tutílicos anárias,
tão placitantos como o pedipeste.

Jorge de Sena, Quatro Sonetos a Afrodite Anadiómena, I - Pandemos


Blue Storm para Wings

"Who wants to live forever?"

Freddie Mercury



Wings para Tiago:

I see trees of green, red roses too
I see them bloom, for me and you
And I think to myself, what a wonderful world

I see skies of blue, and clouds of white
The bright blessed day, the dark sacred night
And I think to myself, what a wonderful world

The colors of the rainbow, so pretty in the sky
Are also on the faces, of people going by
I see friends shaking hands, sayin' "how do you do?"
They're really sayin' "I love you"

I hear babies cryin', I watch them grow
They'll learn much more, than I'll ever know
And I think to myself, what a wonderful world

Yes I think to myself, what a wonderful world
Oh yeah




What a Wonderful world, Louis Armstrong

terça-feira, 6 de abril de 2010

Desafio XIV - Resposta

"Oh! Se eu soubesse que o Inferno
não era como os padres mo diziam:
uma fornalha de nunca se morrer...
mas sim um Jardim da Europa
à beira-mar plantado...
Eu teria tido certamente mais juízo,
teria sido até o mártir São Sebastião!
E inda há quem faça propaganda disto:
a pátria onde Camões morreu de fome
e onde todos enchem a barriga de Camões!
Se ao menos isto tudo se passasse
numa Terra de mulheres bonitas!
Mas as mulheres portuguesas
são a minha impotência!"

Almada Negreiros, Cena do Ódio

- “Zé, já viste? É tudo tão barato!”

Foi a chapada mais forte dos últimos 5 dias. Foi basicamente a chapada que me trouxe de volta à realidade. Mas eu devia ter imaginado. Já não era a primeira vez que acontecia, e eu sabia que acontecia de cada vez que voltava para casa: quanto mais se aproximava a hora do voo para casa, mais eu começava a ouvir a minha língua.

Sejamos sinceros, não foi a minha língua que provocou a enorme chapada que levei. Essa guardo-a com a maior das estimas, aquela com que se guarda o único verdadeiro meio de nos comunicarmos em total completude. Não. O que me trouxe de volta à realidade foi a inabalável força com que somos sugados de volta a casa. Casa?

“Home is where the heart is.”

Gostava que um dia “casa” fosse todo o meu mundo. Todo o mundo que eu conheci e que valeu a pena. E também aquele que não valeu a pena, mas que me ensinou que somos todos diferentes, e que a bondade toma muitas formas, mas que é sempre bondade.

- “João!!!” – gritos pelo terminal – “Vou levar as revistas de futebol dos ingleses!”

Típico.

Todas as viagens acabam como começaram. Pelo menos é isso que vê quem olha de fora. Quem disse “Adeus” no dia da partida e agora os espera nas Chegadas. Mas é de tal forma um engano que muitas vezes os próprios viajantes negam, ou refutam, as mudanças que trouxe a viagem à sua vida (umas férias de 2 semanas num resort na República Dominicana mudará a nossa vida?... talvez, mas menos que as 4 horas passadas neste terminal frenético desta cidade frenética). Para quem vê de fora, todas as viagens acabam como começaram. Para quem viajou, tudo mudou. Tudo muda. E a experiência é sempre à medida do viajante, obviamente (nem todos experienciam Amesterdão da mesma maneira). Mas todas as pessoas, à sua maneira, mudam.

E é essa mudança constante, cumulativa, que me atira de novo para o terminal. Dez minutos antes do início do embarque, já nem me sinto no estrangeiro. Estou sentado numa sala de espera rodeado de conterrâneos. Sinto vergonha. E eu não sou diferente deles. Ou pelo menos não sou totalmente diferente deles. Na verdade sou igual a eles. Sou igual porque me fiz igual, porque quero ser igual. Porque na minha simplicidade sinto-me bem, confortável, sendo igual a eles.

Quatro horas rodeado de pessoas que não conheço, de culturas que se cruzam aos encontrões nos corredores, dão que pensar.

Sinto-me sozinho naquela sala de espera. Sinto o peso dos meus sentimentos nos ombros. Sinto um vómito anti-patriótico. Neste preciso momento, sinto um profundo nojo pelas pessoas que me rodeiam. As mesmas que com a mesma facilidade fazem tudo para sair por cima. Tudo. Sinto que na cabeça deles apenas pensam no pastel de bacalhau e no copo de três que os espera em casa. N’A Bola em cima da mesa. Sinto outro vómito.

Fiz-me igual a eles. Na verdade eu sou igual a eles. A diferença é que, nesta enorme sala de espera cheia de gente barulhenta e tão igual a mim, eu sou o único que não quer voltar.

Desafio XV-Resposta

O rapaz alto e louro parou em frente ao quadro. Estava entre nomes famosos e pesados, Monets e Van Goghs, apesar de ser um pedaço de arte anonima. Prendeu-o. Ficou imovel , em frente ao quadro, sem pestanejar. Era assustador com o seu casaco comprido e negro, o cabelo muito claro, a cor de olhos estrangeira . Correu o mundo a procura das exposições de arte , correu o mundo em busca de todos os Monets, Van Goghs e Renoirs perdidos em pequenos museus. E, aquele quadro anonimo, foi o que o cativou.
Continuou imovel. A observar. A memorizar. O quadro não tinha som, era uma imagem muda. No longe, um homem num cavalo afundado numa flroesta negra e maciça. Talvez esteja perdido, talvez viva perto daquela zona. Ou talvez ande a procura de se perder. Talvez esteja perdido sem estar, um estado interior captadoe metaforizado pela arte do pintor. Sim, talvez esteja a vaguear, não ha nenhuma casa nos arredores do quadro. Talvez por isso seja tao estranho. Uma floresta densa e obscura, um enorme lago congelado e frio. E um homem a cavalo algures lá. No meio. A natureza no seu ponto mais natural e instintivo. No seu ponto mais agreste. E um homem lá, sem a civilização a suporta-lo. A solidão é o nome que o rapaz louro,imovel, tao quieto como a Morte (embora tudo na postura firme e tranquila dele evidencie uma forma de vida intensa) vê no quadro. Porque o homem a cavalo está so, perdido de si proprio na floresta. Alheio de si. Apesar do horror do quadro há algo de tranquilo , de belo, de transcedente na pintura. É a solidao do homem, sozinho ,calmo. Ah, sim, o homem sabe exactamente todo o tempo. Que ainda brinca sobre a pele.
A imobilidade do rapaz e o seu compasso de respiração , tipico de uma outra terra , levaram a que uma rapariga pousasse a mao no seu longo braço e perguntasse numa lingua comum algo semelhante a uma oferta de ajuda. O rapaz sorriu, com o sorriso atencioso e sincero, mas sem qualquer traço de exuberância. E disse, ainda com o riso na voz, palavras que a acompanharam até ao seu proprio fim. Nunca as compreeendeu.
- Estas arvores, este lago, esta imagem. É uma fotografia. Que eu tirei à janela da minha casa com telas e tintas de óleo. Este quadro é meu. Esta é a minha casa.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Desaio XV - Resposta

Sabia que era assim.
Que ele queria muito. Queria voar como os pássaros. Conhecer as nuvens à luz transparente das manhãs verdadeiras. Poder respirar de forma honesta.
Ela tinha-o assim, entre pedaços. Entre fragmentos disformes de um espelho que nascera partido. Ele era belo através daqueles fragmentos tortos que lhe cortavam as mãos. Mas tocar-lhe era bom demais para se permitir a parar.
Conhecera-o ao pé do Mar. O olhar sedento da gaivota que tem asas curtas enregelava.
Seduzira-o com um olhar de maresia. Fora fácil de mais mantê-lo consigo. Ele tinha tão pouco, que o pequeno calor de imensidão que ela lhe dera fora o suficiente para o tirar da praia. E por isso mantinha-o assim, num estado de sobrevivência morna. Deixava-o sonhar, mas não o deixava sofrer pelos sonhos que morriam todos os dias.
Amava-o numa melancolia constante. Como se as ondas da sua vida nunca rebentassem. Como se toda a essência do seu amor estivesse presa num frasco demasiado bonito, demasiado pequeno.
Porque ele queria ser como os pássaros.
E lá no fundo, ela era como ele. Tivera tão pouco que o Nada fragmentado dele fora tudo.
Por isso um dia, levou-o até à praia. Deixou-o sentir o mar e as ondas uma vez mais. E quando a saudade o atacou, ele percebeu que todo aquele encanto era um calor roubado, à força de se acreditar nele.

E quando ele partiu, também ela entendeu que a sua vida vivida fora um mar de encantos breves.
E que alguém um dia, lhe roubara as suas rosas. E que agora, irreversivelmente, já não tinha lembranças e nada lhe provocava saudade.