Conhecia a Maria há mais tempo do que conseguia contar. Talvez a conhecesse há mais tempo do que a mim mesma. Sabia que acima de tudo, escondia o que sentia, construindo muralhas à volta do sentimento, enquanto esperava que este a corroesse por dentro.
E eu sempre fora uma das duas pessoas que conseguia destruir essas muralhas. E estava a ouvir, naquele tom monocórdico que a Maria tem quando está partida (apenas) por dentro, como a outra morrera num terrível acidente. O amor da vida dela, e ela contava-mo como se falássemos do tempo. E isso indicava sempre o pior.
Pousei o telefone com a promessa que a ia visitar. Que mais podia fazer? Eu era a sua melhora miga e agora único porto de conforto no mundo.
Saí de casa com uma ideia fixa. Quando éramos mais novas, antes desta vida de responsabilidades, tínhamos um ritual. Quando precisávamos de falar, comprávamos uma caixa de bombons, sempre os mesmos, sempre da mesma chocolateira. Por nenhuma razão em especial, apenas pela simples mística do chocolate.
Toquei à campainha e ela convidou-me a entrar. A casa era a mesma, nada mudara. A não ser o olhar de Maria, perdido algures.
Obriguei-a a sentar-se. E quando estava à sua frente, olhos nos olhos, entreguei-lhe a caixa. Uma coisa simples, com um pequeno laço. Mas com tantas, tantas recordações.
- Come chocolate, pequena. - costumávamos dizer, tal como agora lhe disse. - Come chocolate.
Bastaram alguns segundos para ela pegar na caixa e comer o primeiro bombom, enquanto as lágrimas lhe caíam pelas faces.
Porque o chocolate é assim. Cada um o interpreta como uma metáfora diferente. Mas todos sabem que num pequeno doce, estão contido todos os tipos de sentimentos. O chocolate é uma droga, uma dádiva, um vício das sensações.
Talvez seja apenas uma comida. Se o é, digam-me outra que construa e destrua muralhas, que nos ponha felizes e nostálgicos ao mesmo tempo, que é referida como a comida dos deuses.
Eu poupo-vos trabalho: não há.
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