quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Desafio VI - Resposta

“When I came out into society I was 15. I already knew that the role I was condemned to, namely to keep quiet and do what I was told, gave me the perfect opportunity to listen and observe. Not to what people told me, which naturally was of no interest, but to whatever it was they were trying to hide. I practiced detachment. I learned how to look cheerful while under the table I stuck a fork into the back of my hand. I became a virtuoso of deceit. It wasn't pleasure I was after, it was knowledge. I consulted the strictest moralists to learn how to appear, philosophers to find out what to think, and novelists to see what I could get away with, and in the end, I distilled everything to one wonderfully simple principle: win or die.”
Choderlos de Laclos, "Dangerous Liaisons" (adaptação para o filme)

Quando entrei naquele comboio, eu sabia que era exactamente o que queria. Era tudo o que queria. Não havia nada que me fizesse mudar de opinião. Na verdade, eu não poderia querer superar-me a mim próprio, ou levantar uma voz assertiva numa discussão, se eu não tivesse a moral e o conhecimento para tal. Eu sou, no fundo, um tímido.

Mas um tímido daqueles que não faz mal a ninguém. Não sou um tímido que esconde um grande segredo, ou que analisa e avalia os outros no silêncio e no recôndito da minha mente. Não, sou apenas tímido. Evito conversas de ocasião. Evito falar sobre o que não sei. Evito discutir gostos ou opiniões estritamente pessoais. E espremendo tudo, no final, fico com muito pouco assunto.

E tanto que isso me frustra. Frustra-me querer mais, mas não conseguir nunca dizer as coisas certas, ou fazer as coisas certas, nos momentos certos e nos sítios correctos.

Era por isso que estava ali. Eu só poderia ser mais do que eu se tivesse a superioridade de poder falar. Se tivesse a experiência que me permitisse subir um nível acima dos meus pares, e desse alto anunciar enfim a mais profunda verdade, ou definir a mais importante lei moral, ou social, ou cultural. E não havia sido há muito tempo que eu descobrira isso. Não foi algo pensado durante anos, ou longamente planeado. Não. Foi uma conclusão muito bem tirada de um conjunto de situações. De um conjunto de discussões, de uma mão cheia de tentativas de ter razão. Mas não tinha. E agora eu sabia porquê.

Eu não vira tudo.

Claro, era isso. Eu não tinha visto tudo. Eu não conhecia tudo, e portanto não podia saber tudo. Era normal, fazia sentido. E foi aí que eu decidi que faria isso antes de dar continuidade à minha vida e aos meus planos. A minha viagem seria, a partir daquele momento, a minha vida, os meus planos.

O comboio estava prestes a partir. Na plataforma, as poucas pessoas que se vieram despedir tinham um ar triste, embora estivessem felizes por mim. Elas sabiam, tão bem quanto eu. A minha sede era muito maior que o tamanho do país que daqui a poucas horas abandonaria. A minha sede de conhecimento não tinha, neste momento, limites. Eu sentia-me hiper-activo. Hiper-atento. Beberei tudo o que puder nos próximos… meses, anos… ? Depois voltarei. Mais forte. Mais sábio. Mais culto.

Melhor.

Melhor que tudo, e melhor que todos. Porque a História só reza dos que vencem, e nesta História eu não aceitarei o segundo lugar.

1 comentário:

  1. A citação com que te "desafiei" é uma das minhas favoritas, tirada de um dos meus livros/filmes favoritos de sempre. Ela expressa com uma grade classe uma postura, que ainda que choque de um ponto de vista moral ou ético, é das poucas passagens na literatura animada por uma força, uma vontade e uma direcção espantosas. É isso que (pessoalmente) me atrai na escrita. Palavras e ideias que nos atingem na cabeça como pedras.

    Gostei da forma como a trataste. Não a entendeste literalmente, mas ainda assim usaste o "flavour" geral para animar uma história diferente. Uma história diferente na qual me reconheço.

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