Algo me grita aos ouvidos. É o toque a reunir das minhas forças perdidas em estradas intermináveis entre cidades de uma noite. É o gigantesco murmúrio de uma urgência que me puxa de um canto de inacção e me faz saltar. Houve tempos em que nada despertava em mim a mola que pula para me verticalizar. Ficava perdido em deambulações e passeios no deserto da minha mente. Ficava deitado na areia ao sol, apreciando o frágil gosto de não pensar em nada, de não haver ruído de fundo na minha cabeça, do ar não se agitar mais do que no bater de asas de uma borboleta. Apeteceu-me muitas vezes entregar-me ao deserto para sempre. Há ainda alturas em que ainda exploro o silêncio quando volto à suavidade dos dias vazios dentro da imensidão de mim mesmo. É preciso descobrir a música para conhecer o silêncio. O compasso dos silêncios. Os intervalos, os nadas, as lacunas. Eles também têm harmonia, também têm melodia, também têm ritmo. Os silêncios, os momentos em que, absorto por um Eu que me é completamente estranho, me entrego nos braços da perdição e me fecho às palavras e aos sons dos outros. Quando se conhece o silêncio de uma mente em comunhão consigo mesma, é difícil largar. É como uma droga. Uma droga que se sente até que um grito me desperta.
E eu acordo.
Sou amante do meu silêncio e amado pelo meu grito. E por isso sei que por mais belo que seja o suave correr do vento pelas asas de uma borboleta, nada aumenta a sedução dos meus momentos criativos como a electricidade orgásmica que se partilha pelo agitar da música. Nada enriquece todas as minhas vidas como o calor sonoro que me atinge como uma onda quando se abre a cortina. Nada me enche de cor os meus sonhos, e de palavras o meu imaginário, como o indistinto rugir que se agita com as curvas e os nós que dou ao meu corpo semi despido. Balanço-me, quebro o ar com um timbre violento. E à minha frente uma textura de peles, cabelos e roupa responde a cada variação. Sou um encantador de borboletas. E apenas me renego a viver a vida dos outros, apenas não me entrego ao sono eterno, porque não há sexo nem droga que se compare ao final da canção, quando, agitando mais fortemente as asas, clamando por libertação da harmonia que vem do palco, e desfeita em aplausos, a borboleta grita.
E eu acordo.
Para mim, foi um dos melhores textos teus que li neste blog :)
ResponderEliminarGostei muito!
Porque adoro esta frase. Porque adoro música.
ResponderEliminarE porque escreveste um texto muito bonito!
=)