Carpe Diem.
Horácio
Horácio
Sempre associei liberdade com voar. Sempre olhei para o céu invejando todos os pássaros, todos os aviões, todas as folhas caídas no Outono.
O aproveitar da vida não pode ser algo de fixo ou de estipulado, algo determinado por uma lei, por uma sociedade, por uma cultura ou uma religião. Aproveitar a vida não pode ser simplesmente ver os dias a passar da janela, de um quarto fechado, de um qualquer espaço que nos limite o movimento e nos tape a visão para o céu. Mas também não pode ser simplesmente louco, partir à aventura, só viajar, ou só trabalhar, ou só gozar e festejar e nem sequer dormir por uma hora que seja num fim-de-semana de Verão. Não. Tem de haver algo mais. E não, eu não considero que aproveite bem a vida, eu próprio não sei o que é esse algo mais…ou sei, talvez, mas escuta… será que alguém a aproveita realmente? E já agora, o que é realmente aproveitar a vida? Não me dizes?... O teu silêncio preocupa-me.
No outro dia diagnosticaram ao meu colega do lado na empresa um tumor maligno. Um tumor no pâncreas. Um tumor daqueles que não se remove nem se cura. Daqueles que fica lá até ao dia em que finalmente a ele sucumbimos, ou a qualquer outra complicação derivada dele. Nesse dia o meu colega não veio trabalhar. Terá ficado em casa, suponho. A chorar? A confortar-se com os familiares? A decidir como melhor aproveitar os três a seis meses que lhe restam?
Não sei. Mas no dia seguinte lá estava ele. De fato. Impecável. Impenetrável. Sentado à sua secretária, fazendo o mesmo que faz todos os dias. Ninguém lhe dirigiu palavra. O seu semblante era de tal forma sério que ninguém teve coragem de o incomodar. Sorriu duas ou três vezes. Aproveitar a vida? Como? Quando? Será nos últimos dias antes de morrer que o fará? Quando estiver já no hospital, numa cama onde terminará os seus dias?
Seremos todos fracos? Ou faz apenas parte da nossa condição? Não conseguir dizer “não” sempre que queremos. Não conseguirmos quebrar as barreiras que todos queremos quebrar. Não conseguirmos tomar uma mão forte e decidida na nossa vida. Não conseguirmos gritar, não conseguirmos blasfemar alto e em bom som. E depois fraquejamos. E quanto mais fraquejamos mais tendemos a fraquejar, e a conformarmo-nos, e a sermos esquecidos. E quanto mais nos conformamos mais vemos o nosso dia chegar. “Causa de morte: tristeza”. Ninguém irá ao funeral…
Não. Não pode ser. Aproveitar a vida tem de ser mais que isso. Aproveitar a vida tem de ser uma luta estóica com a Morte. Com a morte física e com a morte psicológica. Com a morte por esquecimento, por tristeza, por alheamento do mundo e da vida que vivemos. Aproveitar a vida tem de ser travar uma luta de cavalheiros com a Morte. Dizer alto: “Morte, eu sei que estás aí, e eu sei que esperas ansiosamente pelo dia. Mas até esse dia chegar, em que eu conformar-me-ei com a tua vitória, vou lutar contra ti, e contra todos os que como tu tentam que a morte psicológica venha ainda antes da física…”.
Porque a morte é a melhor coisa que pode acontecer a cada um. O medo da morte é o melhor motor de arranque que podemos ter. E sim, todos temos medo da morte. Todos choramos quando alguém nos determina um prazo máximo para viver, e todos sentimos um enorme arrepio de medo quando sentimos o momento próximo. A morte é o melhor da vida. A morte é o que nos tem de fazer querer viver, querer aproveitar, querer estar, querer ser, querer deixar uma marca forte e pessoal no mundo. Antes de tudo acabar.
Porque a gaivota começa a morrer lentamente quando perde uma asa, eu olho de novo para o céu. Não podia ter melhor metáfora para o meu carpe diem diário. O céu lembra-me como é importante aproveitar a vida. Como é importante voar enquanto temos asas. Como é importante tomarmos o pulso da nossa vida, e dizer “não”, e dizer “basta”, e dizer “merda”.
E gritar.
E voar.
Snceramente, acho que aproveitaste bem o tema.
ResponderEliminarGostei especialmente da pequena reflexao que cresce no texto.
Ohh, obrigado :) A ideia vem de um texto do Steve Jobs (o CEO da Apple) que fala exactamente sobre como a morte é melhor coisa que nos pode acontecer. Por outro lado ele defende a tese dele bastante melhor do que eu :$
ResponderEliminarTambém sempre associei a liberdade ao voo.
ResponderEliminarE também concordo, a Morte é o melhor que nos pode acontecer.
gostei muito do teu texto =)