segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Desafio IX - Resposta

"Quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti."

Eu vivia desenfreadamente na crista da onda mais azul. Um brilho azul-escuro descansava na profundidade infinita do Mar, onde sempre estiveram guardadas as minhas asas. E eu sempre quis isso, as inúmeras viagens que o Mar contém.
Quando me prendias a terra eu ficava na berma da onda, a sentir o cheiro do sal que já tinha dado a volta ao Mundo. Era ali na praia, que tudo começava, que tudo acabava e que tudo estava no meio.
Eu vivia na praia mais do que vivia na vida. Quando chegava a tempestade, ficava eléctrica. Quando era Verão tornava-me nostálgica.
No resto do tempo habitava-me um sonambulismo teimoso que me afastava dos teus olhos inquisidores.
Até que um dia, finalmente as asas começaram a desabrochar-me. Sob os teus olhos impacientes gritei de dor, enquanto as duas asas me rasgaram as omoplatas. E finalmente, naquele dia o monstro que prendeste durante tanto tempo mostrou-se mais aberrante e luminoso do que nunca.
E descobriste uma beleza tão infinita nos milhões de cristais azuis das minha asas que a tua respiração congelou. Um grito seco morreu na tua boca aberta.

Levaste as mãos às costas e sentiste a memória profunda da cicatriz, quando te cortaram as asas à nascença.

3 comentários:

  1. Confesso que ao dar-te a frase pensei sempre em muitas maneiras de pegar nele enquanto a figura que luta contra o monstro. Nunca me passou sequer pela cabeça que ela pudesse ser escrita na óptica do abismo que é olhado.

    Adorei a maneira como rodaste as minhas intenções. Essa inversão no referencial fez-me olhar para a frase de outra forma, e fez-me a mim mesmo entendê-la melhor. Um texto magnífico, à altura do desafio. :)

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  2. Gostei mesmo muito da tua interpretação!
    Apesar de a nao ter visto assim, gostei muito!

    beijinhos =)

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  3. Obrigado=)

    Eu também não a interpretei assim da primeira vez que a li, nem nas restantes vezes em que a fui lendo até escrever o texto.

    Só depois, quando estava a explorar todas as influências que cada abismo tem em mim quando o contemplo, é que me apercebi das vezes em que o abismo sou eu...

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