"The future is something which everyone reaches at the rate of 60 minutes an hour, whatever he does, whoever he is."
C. S. Lewis
C. S. Lewis
Não olhes para mim com essa cara!
Enganas-te se pensas que só por eu estar aqui sentado e tu aí a trabalhar, o teu futuro vai chegar mais depressa do que o meu... Enganas-te se pensas que me conheces. Não fazes senão perder o teu tempo se tens pena de mim quando por mim passas. E desprezo-te amargamente quando pões o teu ar superior e me debitas um qualquer cliché que outro pensou e que a ti te daria muito trabalho, mesmo que lá pudesses um dia chegar.
Mas não chegas, nem chegarias, e sabes porquê? Porque te manténs aí sentado, com esse fato que me poderia ter alimentado mais de um mês, com essa camisa que outros te lavaram e engomaram, com esses sapatos que outros, iguais a mim, te engraxaram. Preferes vê-los aos teus pés, bem sei. É isso que te permite o poder a que te permites, bem sei. Nunca serás nada.
Eu? Também não, mas sabes o que nos difere? Eu tenho um filho. Não, não abras sequer a boca para dizer essas palavras. O que tu tens não são filhos, são seres humanos com quem partilhas a casa e preferes ver pelas costas. Porque isso é trabalho para as amas, que estão certificadíssimas para as educarem na nobreza e nos bons costumes. Sim, eu admito. Se soubesse o que sei hoje não teria sido pai. Mas o meu filho foi apenas fruto do amor, enquanto o teu foi a rota habitual da conveniência. Depois a minha mulher morreu, e hoje vejo-me obrigado a usar o meu único rendimento para pagar um vão de escada, a comida do meu filho, e a poupança que faço para ele. Porque ele será alguém na vida ao contrário do pai, e enquanto eu cá estiver para ver, ele nunca será como tu, deus assim o permita.
Está na minha hora de me levantar. Pensavas que vivia de esmolas, era? Enganas-te. Por ironia, és tu quem me dá trabalho. Tu e todos os que atiram lixo para o chão no dia-a-dia, porque os caixotes do lixo são simplesmente sujos demais para te aproximares.
Pensas que te odeio? Que te desdenho, que falo mal de ti a todo o momento? Pensas que penso em ti mais que o tempo que perdi a desabafar nestas linhas? Pensas que tudo gira à tua volta, como todos os outros. Enganas-te. Quando acabar de escrever, tu vais ser apenas mais uma pessoa nessa fila de trânsito. Que veículo tão potente que conduzes, se não fazes mais que gastar a embraiagem.
Desculpa-me, tenho de ir trabalhar. Depois à noite vou ao teatro com o meu filho. Tenho bilhetes que me ofereceram por ter um part-time a limpar a sala de teatro antes das sessões.
O teu futuro não é assim tão risonho. Tu apenas o pintas para que assim pareça. No fundo, o teu futuro vai sempre andar a par do meu. E no fim ao menos eu sentirei que fiz tudo ao meu alcance para conseguir ter uma vida melhor. Para ti terá sido tudo simplesmente fácil demais.
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