“I don't believe in an afterlife, so I don't have to spend my whole life fearing hell, or fearing heaven even more. For whatever the tortures of hell, I think the boredom of heaven would be even worse.”
Isaac Asimov
Isaac Asimov
O que os tornava tão especiais era o quão eram diferentes. Naquela tarde de Inverno, embrulhados numa manta grossa de lã, bebiam chá enquanto viam o pôr-do-sol ao fundo da rua. O prédio onde moravam era igual a tantos outros naquela velha cidade europeia. Como tantas. Como muitas.
Embora fosse um ritual tão repetido nas tardes de sexta-feira – ver o pôr-do-sol de forma a apreciar o início do fim-de-semana e beberem um chá como todos os habitantes naquela cidade – ele não podia deixar de se sentir desconfortável. Já perdia a conta ao tempo a que faziam aquilo, no entanto sentia ainda os olhos dos transeuntes e dos vizinhos sobre eles quando passavam, entrava ou saíam do prédio. Ela, por seu lado, sentia-se completamente à vontade, e acima de tudo feliz. Na verdade aquele era para ela dos poucos rituais que fazia com prazer; todos os outros eram feitos como compensação do seu companheiro embarcar muitas vezes contrafeito nas aventuras dela. E era exactamente aquele dicotomia que os tornava especiais. Porque o amor que sentiam um pelo outro ia muito além dos rituais e tradições dele, ou da sede de aventura e inconstância dela. Era algo muito mais profundo e inexplicável. Era um sentimento de pura completude, como se a partir de um momento um não pudesse existir sem o outro, como se a loucura dela não pudesse viver sem a calmaria dele.
- “Já pensaste como será o céu?” – Foi ele quem quebrou o silêncio. E conforme abriu a boca, uma nuvem de vapor saiu e juntou-se à que saía da chávena de chá com que aquecia as mãos.
- “Ou o Inferno? Não sei, não acredito especialmente nessas coisas.”
- “Porquê o Inferno? Fizeste alguma coisa de mal?”
- “Pequei contra a sociedade.”
- “Que tola… só se pecaste por escolher tomar a tua vida nas mãos, ao contrário de todos os outros que se deixam ir.”
- “… Como tu?”
- “Eu deixei-me ir por ti. Não sei, achas que mereço o Inferno?”
- “Eu acho que merecemos os dois ir para o Inferno.” – A cara dela continuava séria.
- “E lá se vai o meu desejo de eterno repouso.”
- “O eterno repouso é uma seca!”
- “E eu para Inferno já bem me basta o meu dia-a-dia.”
- “Vamos fugir?”
A pergunta ficou no ar. Ele lembrou-se imediatamente daquele dia de Fevereiro. Chovia a potes quando aterraram no seu destino, o céu estava negro para um dia que ainda mal começara, e nem sabiam muito bem o que haveriam de fazer. Decidiram fugir, não no sentido rápido da fuga, visto que foi algo planeado e pensado, mas fugiram na mesma. Das famílias, e dos amigos, e do país e de todas as coisas que deixaram para trás. Com eles apenas duas malas e duas mochilas. Os olhos dela irradiavam luz. Os dele transpareciam medo.
- “Já fugimos que chegue. Vamos assentar. Vamos para o céu.”
- “Que piada teria isso, assentar?... Que sentido faria tal coisa? Como pôr um ponto final na nossa vida, e não passarmos de mais dois escravos da sociedade?” – Ela sorveu um pouco do seu chá, depois olhou-o nos olhos pela primeira vez. – “Tu gostavas de assentar?”
Ele bebeu também um pouco de chá. Depois olhou o pôr-do-sol um pouco, reflectindo sobre a pergunta dela. Ele próprio já se tinha questionado várias vezes sobre isso. Depois olhou-a de novo nos olhos.
- “Um dia, talvez… Mas senão também vou contigo para o Inferno.”
Essa personagem feminina podia, definitivamente ser eu =P
ResponderEliminarEspeculando um pouco sobre o fim da história, acho que o divórcio entre eles será mais ou menos inevitável... o céu e o inferno não são compativeis. Nem tão pouco são complementares.
=)
Eu acho que se este caso tivesse contornos reais (tirando o cenário e os apetrechos), não seria possível afirmar isso com tanta certeza.
ResponderEliminarAcho que discutir isso é um pouco como discutir o sexo dos anjos, ninguém tem realmente razão. Depende de factores demasiados, não concordas?
Mas fico feliz por te reveres no texto ;)
Sim, claro depende de muitos factores... mesmo...
ResponderEliminarMas não pude realmente deixar de pensar "num after" do teu texto.
E obviamente tens razão, depende de muitos factores, mas observando cruamente o teu texto eu diria que de facto o céu e o inferno não são complementares. E que, por exemplo, qualquer uma das tuas personagens se resignar a seguir o caminho da outra é simplesmente triste.
You made think about this staff =P