domingo, 21 de fevereiro de 2010

Desafio IX- Resposta

Ela parou na entrada no quarto. Ficou a observá-lo, cuidadosamente. Como se estivesse a fotografar um momento ao qual nunca mais assistiria. O cabelo dele, a ocultar-lhe parte do rosto, a evidenciar uma certa loucura. Os olhos dele, presos ao outro mundo, presos às palavras que lhe escorriam dos dedos. Do coraçao. Do lugar ao qual ela nunca foi convidada a entrar.
Talvez lhe deixasse um papel. Talvez a ajudasse a ter consciencia do que ia fazer. Talvez a ajudasse a clarificar aquela situaçao, talvez a permitisse compreender melhor. Mas quando começou a doloroso desenho de simbolos perceptiveis num resto de folha a mão doeu-lhe. Seria uma razao sólida para se ir embora? Era de todo uma razao ?
Não importava. Era insuportavel. A forma como ele se entregava à escrita. E coma suavidade de um final de tarde de Verão, ela teve consciencia da dor que lhe causaria e da forma como ele se curararia. De como abandonaria as lágrimas que nunca choraria na folha de papel, o sentimento de dor profunda ficaria lá, no som melodicamente triste que conseguia transmitir nas palavras que voavam dos seus dedos.
Para ele, a escrita era o suporte da existencia. Escrevia sempre, escrevia sobre tudo. A escrita dele acendia um milagre, garantia a manutençao de um sonho.
Pegou na mala, definitivamente ia-se embora. A escrita dele preencher-lhe-ia o buraco que a traição dela ia provocar. Ele regenear-se-ia em mais um brilhante livro. Que ela veria à venda nas mais ilustres livrarias.
As palavras dele tinham demasiado poder. Eram um mundo à parte só dele. Ao qual ela nunca foi convidada a entrar. Lá no fundo , reconhecia-o, sim. Invejava aquele processo de sobrevivencia dele, aquela arte levemente instruida.
Lá no fundo, sabia que nunca mais o queria ver. Era insuportável, a beleza dele ao candeeiro. E a fealdade dela, porque o nunca compreenderia. Ou compreenderia a libertaçao que era a escrita dele.

1 comentário:

  1. Talvez mais do que o sentido que a frase original tinha, eu guardo do teu texto o sentimento veridico que é a inveja e a condenação de alguém que é excluído de um mundo. Ainda que seja um mundo solitário e inóspito como por vezes é o Mundo de alguém que escreve.

    Ainda assim, o amor que transparece é demasiado para alguns pedaços de pessoas.

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