O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente
Gosto de fingir a minha realidade. É por isso que escrevo peças de teatro, é por isso que sempre gostei de escrever argumentos e de me sentar no fundo do teatro. E de ver, como encenador, os actores mexerem-se como se fossem as minhas marionetas.
Nunca me preocupei em inventar histórias, tal como nunca desenhei de cabeça. Sempre usei a minha realidade como cenário, as minhas memórias enviesadas e os cheiros nostálgicos como jogos de luzes.
Sempre usei a minha tristeza como fingimento.
E quando nascia mais uma das minhas peças, eu fingia ali a minha vida. E a minha vida fingida, ultrapassada, interpretada era como se não fosse minha. Era como se se despegasse do meu corpo e pairasse ali no palco, por algumas horas. As pessoas riam e choravam, apontavam o dedo. As pessoas ridicularizavam, dramatizavam. As pessoas horrorizavam-se.
As pessoas expunham.
Eu fingia.
E eu estava lá no meio do público. Esquecia-me de quem era, e de quem fingia ser.
Não me lembro de ser tão feliz.
E era por isso que continuava a escrever a minha vida e a fingi-la. No pico do fingimento, eu era dolorosamente feliz.
Mas como o amor é uma faca de dois gumes, também o espectáculo chegava ao fim. E respeitosamente o público cumprimentava-me à saída e dizia-me “Que belo espectáculo”.
“Sou um belo espectáculo”, repetia para mim. E normalmente ficava no escuro da sala a fingir umas lágrimas. Porque não era capaz de terminar o argumento e precisava sempre de mais uma dose do meu vicio.
Nem que fosse para fingir que me fingia.
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