quinta-feira, 22 de julho de 2010

Desafio XXIX - Resposta

Enfurece-me que chames feia a ti mesma. Enfurece-me, tal como me enfurece o Mundo por te meter na cabeça os padrões pelos quais te julgas. E sim, chamares-te feia muda muito pouco: o facto permanece que não o és. Objectivamente não o és. Mas ainda assim, enfurece-me, como me enfurecem as injustiças do Mundo perante as quais sou impotente. Enfurece-me por não poder fazer nada senão dizer-te que é mentira. Tira-me do sério.

E depois enfurece-me que sorrias e me respondas que só não vejo que és feia porque gosto de ti. Ou que são os meus olhos que vêem beleza onde ela não existe. Porque quando se ama, até se amam os corvos que a outra pessoa tem no telhado. Enfurece-me, tal como me enfurece o Mundo por te meter na cabeça que a paixão tem esse poder. Fico fora de mim.

Entende, por favor, que os homens não vêem gigantes no lugar de moinhos. Os homens vêem moinhos, mas afirmam aos outros que lá estão gigantes, mais para se convencerem a si mesmos do que seja a quem for. Nenhum homem acha uma mulher subitamente bonita por estar apaixonado. Quanto muito, desculpa-lhe esse defeito. E depois começa a dizer que essa mulher é “o meu tipo”. Só que isso do “tipo” não é mais do que a mulher à qual ele se resigna porque é o melhor que consegue arranjar. Os homens são mentirosos, mas não são cegos.

E eu sou terrivelmente, profundamente, irremediavelmente, superficial. Poderia desculpar o pecado da burrice. Não poderia desculpar nunca o pecado da fealdade. E esse até é o meu drama. É que eu não sou cego, mas também não consigo ser mentiroso. Nem com os outros, nem comigo mesmo. E passei anos sozinho por não conseguir encontrar uma mulher bonita o suficiente para mim. Se tu não fosses linda, eu sabê-lo-ia, e as minhas reacções físicas para contigo também não conseguiriam mentir. E tu ficarias a saber.

Achas que tens defeitos, malformações estéticas, pontos a melhor, hábitos e costumes vergonhosos, incoerências de estilo? Pois todas elas fazem parte da tua beleza. Porque há mais detalhe no teu rosto, mais vida nas linhas carregadas das noites mal dormidas e das lágrimas derramadas, do que em qualquer mulher daquelas com as quais todos os homens querem ser vistos. A beleza dessas esgota-se logo, é descartável. Dois olhares e já não existem surpresas. A tua beleza, essa, revela-se à superfície (e eu sou superficial), mas engole-me para uma profundidade que só quem vive para além do mediano consegue entender.

Ainda assim, achas que não és fotografável, que a tua imagem do espelho te grita “olha para mim, que desgraça”? Mas tu és uma obra de arte. Tu tens a figura que pintores e escultores representam, aquela para a qual escritores perdem as palavras, aquela pela qual músicos escrevem sinfonias. E a forma como te amo vale uma sinfonia. Escuta-a na intensidade com que me atrais, na electricidade quando te beijo, na irresistibilidade de te agarrar com tanta força como se te quisesse dissolver dentro de mim, fundir os nossos corpos num só, no sorriso de criança feliz que faço quando te atiro ao ar, na maneira como me tiras do sério e me deixas fora de mim. Só um grande amor tem esta violência no afecto. E um grande amor exige beleza.

Por isso, dizes que és feia? Não, o Mundo é que não sabe o que é bonito. E isso é o que me enfurece mais. O Mundo anda a correr distraído atrás de mulheres-desenho-animado que cansam e se largam ao primeiro mudar de lua. E se é verdade que amo até os corvos no teu telhado, entende por favor que é precisamente por isso que és linda. Porque no telhado das outras mulheres não existe vida absolutamente nenhuma.

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