quinta-feira, 8 de julho de 2010

Desafio XXVI- Resposta

Sempre disse que seria isto. A solidão nunca me perturbou mas arrastaste-me para longe de mim. Ofereceste a salvação e a redenção de um crime que não cometi.
Vês? É um número que sempre esteve errado. É um número metaforico que nunca existiu. Nós os dois. Porque esta minha alegre solidao rasgou-me pedaço de pele nenhum. Mas a que se instalou naqueles dias de Sol contigo dissolveu-me o eu. Talvez por isso tenha sido feliz. É facil aproveitar as relíquias de uma vida que não é a minha . Mas a solidão daqueles dias de Sol, que nada tem que ver com a minha doce solidão, começou a envolver-me num abraço denso, negro, amargo e suave. Foi dificil libertar-me foi dificil continuar lá. Naqueles dias de Sol.
Sempre disse que era isto, não uma ideia diferente de como ser uma fraude numa atitude imitadora de uma vida boemia com proposito nenhum. Sou só eu, sou a minha solidão. Sou o rosto e a sombra da minha solidão, isso é que me torna boémico.Mas é algo que sempre fui e que desejei, algures contigo, o não ser. Quiseste salvar-me mas como me podes salvar do destino que eu proprio desenhei?
Não me digas que é triste não ter fugido ao meu fado porque fui eu que o delinei. Alternando entre a consciencia e a inconsciencia. Sempre que não for eu vou ser eu , eu e apenas eu, a tentar o não ser. Eu. So posso ser eu mesmo quando o não sou.
E já não lamento não ter sido eu a atender o teu terceiro e impaciente telefonema naquela noite. Naquela hora mortifera e negra em que não resisti a tentaçao de seguir o caminho que é meu. Foi a minha mao que alcançou o telefone, foi a minha voz que ouviste.
Mas a escuridao mortal da noite , daquela noite sem ti, lembrou-me que te sentia a falta sem me fazeres falta. Foi a primeira noite, desde aqueles aureos dias de Sol, que estive comigo. Afinal sentia a falta do meu ego. Não do teu.
E já não lamento não ter sido eu, o eu que te amou e que amaste naqueles dias de Sol, a atender o telefonema. Ouvi o telefone três vezes, o número três é mágico, é mítico. O dois já foi amaldiçoado por nós. Somos um romance falhado porque embrieguei-me com a infinidade de mundos paralelos que oferecias se aceitasse a tua branca salvaçao e me redimisse do crime que não cometi.
Mas ser eu não é um crime. Não sou uma fraude boémia. Já te disse, sempre fui isto. O rosto e a sombra da solidão, pacificamente sentado na esplanada da praia num dia de praia perfeito. Sempre fui a palavra de contradiçao , o caminho alternativo, a ideia louca , legitima e racional.
Por isso, já não lamento que naquele telefonema tenhas ouvido o monstro agreste que cresceu comigo. Que nasceu com todos nos. O numero dois sempre esteve errado para nos. Mas so atendi a terceira chamada. Deixei o dois alongar-se e afogar-se no amor estéril que cresceu entre nos.

E ela chorou. Chorou dias inteiros, compulsivamente. Chorou mesmo quando já não tinha mais lágrimas. Telefonou-lhe no único serão que não passaram juntos e perguntou por ele. Mas quem lhe atendeu o telefone não era ele apesar de o ser. Sentiu que toda a época aurea que viveu com ele foi uma ilusao. Porque lhe telefonou e perguntou por ele, mas ele não era ele. Ele era louco, sempre o soube. Mas ela amava-o. Era ainda mais louca pela lucidez aguda da sua desgraça.

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