segunda-feira, 26 de julho de 2010

Desafio XXIX - Resposta

E como nasci? Por um quase. Podia ser outra. Podia ser um homem. Felizmente nasci mulher. E vaidosa. Prefiro que saia um bom retrato meu no jornal do que os elogios.



Como é que eu nasci? Foi um acaso. E nasci mulher. Podia ter sido um homem. Infelizmente, sou uma mulher fechada num mundo estridente de outras mulheres. Num mundo agudo, berrante e descaracterizado de corpos com mais silicone do que entranhas.

Fecho a porta de casa. Abandono o salão de cabeleireiro, as lojas de roupa, as sapatarias e entro no primeiro salão de jogos que encontro para jogar matraquilhos. Aqui há um sossego de vida. Porque há barulho, há asneiras e há cervejas.
Normalmente, o cor-de-rosa fura-me os olhos e eu tenho uma natureza sensível como a maior parte dos homens. Porque as mulheres são muros de betão disfarçados. Mascaram-se de romantismo e de histórias de amor. Vêem-se ao espelho dez vezes por hora para garantirem que não perdem a Cinderela que compraram. Porque raptaram uma fada madrinha e a mantêm na despesa a fabricar milagres.

Há muita ligeireza e cor na vida das mulheres. Mas é uma vida demasiado dura porque é demasiado falsa.
E nunca me incomodou a futilidade. Sempre preferi a honestidade de um belo corpo do que a sabedoria de um belo cérebro. Amar a inteligência é falta da própria inteligência.

E é por isso que já amei homens. Porque destilam beleza na forma como vestem t-shirts pretas se riem infantilmente de piadas ordinárias. Na forma como desejam impulsivamente os segredos do Mundo.
E é por isso que já amei homens fúteis. Como eu.
A diferença é que encomendo os sapatos e maquilhagem pela internet. E vou ao cabeleireiro uma vez por ano para evitar aqueles sorrisos de plástico e os conselhos vomitados para destruir adversárias.

Também adoro ver-me ao espelho, arranjar-me e sentir-me linda. E sair para o salão de jogos e sentir-me tão bem, que me esqueço de quem sou e dou o meu suor pela minha equipa enquanto gritamos todos e eu marco mais um golo. Gosto dessa beleza selvagem e do facto da vida saber-me bem. É a minha futilidade.

Mas nasci mulher. E sabes que mais? Ainda bem. Se fosse um homem, seria gay.

Sem comentários:

Enviar um comentário