quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Desafio V - Reposta

“Quando eu morrer voltarei para buscar
os instantes que não vivi junto ao mar”
Sophia de Mello Breyner Andresen

Eu conheço o mar. Eu posso dizer, com alguma vaidade mesmo à mistura, que conheço o mar. Não o conheço todo, como é óbvio. Mas conheço. Vejo-o ao acordar, e vejo-o ao adormecer. Vejo quando a luz rosa do nascer do sol se reflecte no mar, e vejo quando a luz laranja lhe deita os seus últimos raios do dia. Vejo a lua reflectir-se nas ondas, e medir a ondulação a partir fraca luz dos candeeiros da rua reflectida.

Eu conheço o mar no Verão e no Inverno. Nos dias de tempestade e de bonança, de luz e de névoa, de chuva e de seca. Nos dias de calor e nos dias de frio. Eu conheço o mar frio, e conheço o mar quente. E conheço o mar do Minho e o mar do Algarve. E o mar de Lisboa feita Império, e o da Beira feita Litoral e do Alentejo feito maresia. Sim, eu sei qual é a sensação de navegar, e a sensação de estar na praia, e a sensação de estar mergulhado a deixar-se levar ao sabor da corrente.

Eu sei, ainda mais do que isso, qual é a sensação de estar feliz. A sensação de não sentir nada senão a mais pura completude, a mais perfeita fusão, a mais infantil felicidade. É o mar. É o mesmo mar de quando era pequeno. O mesmo onde brinquei, onde mergulhei, onde ainda hoje mergulho. O mesmo onde curei feridas do corpo, e feridas da mente. O mesmo do qual nos afastamos, e o mesmo para o qual voltamos. Porque “melhor que ir, só mesmo voltar”.

E eu conheço, acima de tudo, a minha maior visão do paraíso. Se o paraíso for “a melhor coisa do mundo” para cada pessoa, o meu paraíso tem de ter mar. É impossível não ter. É impossível o meu paraíso não contemplar um dia de calor abrasador, com o sol no seu ponto mais alto, e um imenso mar à minha frente, calmo, sereno, tépido. É impossível eu não poder ficar eternamente por baixo do meu chapéu-de-sol, a ler todos os livros que queria ter lido antes de morrer, e em frente a este mar. A ouvir toda a música que não tive tempo para descobrir ou conhecer. Ocasionalmente uma onda mais marota num dia de maré mais cheia vir-me-á beijar delicadamente os pés, e relembrar-me como o mar é frio. E como o sol é quente.

No meu paraíso haverá mar. No meu paraíso eu poderei ver o mar todos os dias. Eu poderei ver o Sol a nascer no fundo do mar, e o Sol a pôr-se no fundo do mar. Eu poderei ver o mar tomar todas as cores, poderei ver o mar envelhecer enquanto eu, já morto, o acompanharei para sempre. E se o meu paraíso não tiver mar? Não faz mal. Nesse caso terei apenas de voltar a nascer, para de novo poder viver junto ao mar.

3 comentários:

  1. Sabia que ninguém melhor do que tu poderia pegar nesta frase e dedicar-lhe um genuino amor ao mar =)

    Adorei verdadeiramente o teu texto, o teu encadeamento. A forma simples como pequenas frases conseguiste descrever tudo aquilo que eu propria sinto quando vejo o Mar e quando leio esta fantástica frase da Sophia.

    Muito bom! =)

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  2. Decididamente, muito bom mesmo, sobretudo o final =)

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  3. E que peso enorme senti eu com essa frase, deixa-me que te diga... Escrever um texto a uma frase de Sophia é como explicar ao Eusébio como jogar futebol =P

    Mas obrigado :D E venham muito mais temas com o mar, ehehehe :)

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