segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Desafio IV - resposta

Ele é assim. Não sabe quem é.
Às vezes é mendigo. Outras é um senhor de negócios. Outras é um estado intermédio entre todas as coisas e nenhuma.
Costuma vaguear pela cidade. Um dia, parou à minha porta e disse-me:”A vida é só isto”. E eu não compreendi. A vida não era só isto. Isto da minha vida é que era pouco. Eu via sempre o mesmo, diziam-me sempre o mesmo. A única novidade era a forma como o Tejo falava comigo todos os dias. E se até o Rio era mais interessante do que a minha vida, havia de certeza mais. Não era só isto.
Mas ele disse “ A vida é só isto. Todos os países para visitar. Todas as pessoas. Todos os livros. Todas as músicas. Todas as paisagens. Todos os sentimentos. Não há mais nada.”
Não. Eu vivia ali todos os dias. No meu café de sempre. Com as mesmas pessoas. As mesmas frases. Os mesmos futuros.
Às vezes invadia-me um frenesim. Queria ir por aí sem destino experimentar todos os perigos, todas as facas. Deixar este lugar único, que de único só tem o de ser único para mim. Queria saltar de pontes. Andar na montanha russa. Deitar-me no chão do deserto. Ouvir a Lua. Sentir cada veia de sangue a latejar. Ou não senti-las propositadamente.
Não, a vida é inesgotável. E eu perco segundos irreversíveis cada vez que sirvo mais um café.
“ Mas há coisas mais impossíveis do que não morrer. Viver é uma delas.”
Porque é que ele fazia isto? Porque é que ele me sugava este frenesim? Eu acabava sempre por não ir. Acabava sempre por falar com o Tejo ainda mais uma vez. “E seja o que for, era melhor não ter nascido”. Porque ele dizia:
“Tu sabes que a vida é só isto. E ainda por cima, todo este pouco é demais para ti”.

2 comentários:

  1. Há muita, muita vida lá fora. Infelizmente este é um sítio perfeito para quem não quer mais da vida do que ficar a beber cafés enquanto olha para o Tejo.

    Este foi provavelmente o texto teu de que mais gostei até hoje. Esta é claramente a pessoa linda que eu conheço. :)

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  2. Muito bom, um dos melhores, um dos meus preferidos!

    E honraste bem Alvaro de Campos!

    Congratulations :)

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