quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Desafio XXXVII- Resposta

"If you can get nothing better out of the world, get a good dinner out of it, at least."


A corda rente balançava – lhe nos olhos. Era quase irónico que da janela listada onde se encontrava visse tão perfeitamente a corda rasteira que lhe arrastaria a vida para a morte.

Na sua pequena cela limpa e arrumada havia um silêncio incómodo, politicamente correcto. Sentou-se na borda da sua cama, mentalizando-se de que aquela seria a última noite. Nunca mais existiria um fim de tarde, um jantar, um “boa noite”. Cada segundo que passava era já o último, cada pequeno ritual irrepetível esvaia-se com o movimento do ponteiro do seu relógio fiel colado na parede. Aquele momento em que costumava pensar na borda da cama terminou quando ele se levantou e morreu. Porque nunca se repetiria. E assim, de mansinho percebeu que já estava a deixar de existir. Foi mais isso que o comoveu, do que propriamente a ideia do seu pescoço naquela corda que o fitava lá de fora.

De pé, lentamente para não gastar o espaço, foi andando em círculos na sua cela. De manhã tinha tido visitantes que lhe perguntaram se estava arrependido. Não abrira excepção e permanecera em silêncio. Há muito tempo que perdera a paciência para a comunicação. Há muito tempo que se recusara a usar palavras e a ler livros. Um sorriso tímido e honesto espreitou dos seus lábios quando pensou nas pessoas, sempre à procura de razões e propósitos. Sempre à procura de uma utilidade para as acções. Tantas vezes lhe perguntaram qual era o propósito dele, o que esperava ele. “Queres destruir as Pessoas? Tens outros propósitos na vida que não a felicidade?” E muitas vezes ele negou todas as respostas. Outras permaneceu em silêncio. Um dia disse-lhes “Deus não existe”, mas ninguém o ouviu. Ele voltou para a sua cela solitária e escrevinhou na parede: “Não existe propósito na vida, a não ser vivê-la”. E quando veio a sua condenação, pediu que lhe escrevessem isso na campa.

Quando o relógio cansado chegou às nove, os dois guardas pediram-lhe que saísse da cela e os acompanhasse. O seu último jantar esperava-o, com o sabor venenoso de ser o último. E esquecendo-se disso, saboreou-o como se tivesse acabado de nascer.

Quando terminou, um dos guardas olhou para ele com desdém e disse-lhe “Ao menos tiraste um bom jantar da tua vida”. Ao que ele respondeu laconicamente pela última vez “ Nunca houve muito mais a tirar”.

1 comentário:

  1. Uma narrativa fantástica, uma ideia que expressa perfeitamente a frase que lhe dá mote, um sentimento forte e intenso, uma perspectiva notável sobre a morte; e tudo isto dá um dos teus melhores textos até hoje. :) Adorei!

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