sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Desafio XXXVI- Resposta

É incrivel como no quotidiano arrastado as pequenas coisas tao cheias de uma beleza suave se tornam aborrecidas e uma luxuria bem fundamentada e legitima conquista um espaço fixo num coraçao que se sente a sufocar nessa monotonia escorregadia.
Mas agora, com o seu amor morto, ela nem sequer consegue verdadeiramente lembrar-se desses tempos. Sentada ao lado da lápide dele, tudo o que sente é um amor cheio de uma saudade avassaladora.
Mas a verdade é que o conceito de rotina sempre foi independente do conceito de Amor. E ele era só isso, um pedaço de passado que, no agora dela, so prometia um futuro infertil por não a preencher com ilusoes que um dia serão verdades. Dizer que o não amava era uma meia verdade. Não o amava, ate certo ponto e por outro lado, ama-lo-ia sempre. Há coisas pequenas cheias de beleza que nunca se repetem. Mas a rotina monotona dele impos-se sobre qualquer amor que ela lhe tivesse, o sorriso dele tinha sempre o mesmo angulo caloroso. Não havia espaço para algo novo , tinham envelhecido . Não, ela tinha envelhecido, ele estava simplesmente igual. As aborrecidas actividades dele tao regulares mantinham-no jovem.
Foi para se libertar desse sufoco que se impunha no ser dela que decidiu perder-se num lugar qualquer e o encontrou, ao outro. Nada tinha que ver com o seu amor ( tao sem vida, agora). Era fugaz, fazia-a sentir-se viva. Dava-lhe o que ela julgava que lhe faltava, uma qualquer mudança. Não que o amasse, mas nem sempre o amor so por si é suficiente.
Sentada tao lealmente ao lado da lapide dele, recorda-se sem falhas de memoria do dia que mudou todo o rumo da vida que tinha. Combinaram encontrar-se no restaurante e ela decidiu terminar o que já não existia e contar-lhe que era o fim e que tinha outro. Outro que tinha para lhe dar o que ele não dava. Tencionava ser breve , havia uma enorme mudança que sentia a crescer no peito.
Mas nunca lhe disse isso. Passou a mao pela pedra fria, nunca lhe disse nada disto. Porque nesse dia o rosto dele tao belo e tao suave tinha uma sombra negra a ilumina-lo. Foi quando lhe disse da sua morte que estava para breve. Foi quando lhe disse que tinha uma doença terminal. E ela amava-o apesar de o não amar, uma verdadeira compaixao instalou-se e deu-lhe os melhores meses da vida dele. Seriam os ultimos, que importava que fosse ilusao? Que importava que fosse um papel que ela cumpriria?
Passava longos tempos no cemitério ao pe dele. A rotina parecia acalma-la, suavizar a falta que ele fazia. Na verdade, era o que mais a magoava. A falta que as rotinas aborrecidas dele lhe faziam. Porque, quando ela fez tao perfeitamente o papel de o amar, de partilhar e de sorrir as rotinas quotidianas dele, tornou-se nesse ser. Que o ama, que ama as rotinas. Que se enche de alegria so de ver o sorriso dele, sempre tao igualmente caloroso . Ao representar uma personagem , do interior para o exterior, tornou-se na personagem que representava. E por agir como se o amasse acabou por ama-lo de novo, apesar de nunca o ter deixado de amar.
É incrivel como as pequenas coisas cheias de uma beleza suave se perdem no quotidiano arrastado. Ela desejou a mudança e teve-a. A mudança foi a rotina, passou a cumpri-la em vez de a descartar. E vai todos os dias ao cemiterio, sentar-se ao lado da lapide dele. Fica quieta e em silencio e quando algum homem com um sobretudo preto igual ao que ele usava sempre, igual aquele que ele prometeu que se desfazia por estar demasiado gasto mas que mantinha sempre. Os olhos dela enchiam-se de esperança de que fosse ele.
Por agir como uma mulher apaixonada tornou-se numa. E por representar um papel com amor , tornou-se no papel que representava. A mudança alcançou-a e ela nunca mais foi a mesma.

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