segunda-feira, 10 de maio de 2010

Desafio XX - resposta

“Esperar dói. Esquecer dói. Mas não saber que decisão tomar é o pior dos sofrimentos.”



Tinha uma estranha mania de viver múltiplas vezes os mesmos dias. Por vezes, imaginava também outras noites dentro da mesma. E os seus sonhos nunca foram outra coisa se não isso: realidades paralelas entre janelas que só ele conhecia.
Vivia muitas vidas. Percorria muitos caminhos. Sentia muitas coisas, todas ao mesmo tempo, testava o coração ao limite, fazia-o quase rebentar com vitaminas eléctricas de sentimentos contrastantes de euforia e depressão.
Às vezes encontravam-no triste, sentado debaixo da sua árvore preferida. Mas quando ele explicava porque, invariavelmente diziam-lhe “ Mas isso não aconteceu”. E ele gastava-os com as palavras que só ele entendia “ só porque não foi real, não quer dizer que não tenha acontecido”.
Mas que podia ele fazer, todos estes mundos lhe vivam na cabeça! Não conseguia virar à esquerda sem pensar no mundo igualmente real que surgiria se virasse à direita. Abusivamente alguém chamava a um dos mundos, realidade. Mas para ele, tudo o que sentia era real.
Como naquele dia em que chegou a casa mais cedo. Era demasiado pequeno e não estava lá ninguém. Deu a volta à casa e o gato não veio, como de costume, roçar-se nas suas pernas. No silêncio da casa, uma quantidade de múltiplos mundos se começaram a formar no seu cérebro. E começou a sentir cada um deles. Quando viu a caixa em cima da mesa dois mundos separam-se irreversivelmente: um em que o gato estava morto, e jazia dentro da caixa; outro em que o gato estava vivo e voltava do veterinário.
Sentou-se numa cadeira, a observar a caixa. E durante horas viveu aqueles dois mundos, com a mesma intensidade.
Ambos os mundos possíveis. Ambos a coexistirem com a mesma frequência. Metade dele vivia a descontracção de fim de tarde, a outra metade vivia o luto.
E por isso, era indiferente qual era o real. Ambos existiram. Mas fez a vontade à voz que ouvia no cérebro e abriu a caixa.

O gato estava morto.

E foi um alívio, viver com uma só realidade.

2 comentários:

  1. Este pequenino texto é absolutamente genial! E não estou a dizê-lo por dizer nem a falar de cor. A tua analogia da indecisão como dois Mundos sobrepostos, ambos reais em algum momento, é assustadoramente certa, tão correcta que atinge tão no coração do que é não se ser capaz de escolher entre dois caminhos, e portanto de certa forma viver a vida escolhendo ambos. E por vezes até um mau desfecho é melhor do que essa angústia.

    Li algures uma opinião de alguém que defende que a pior angústia é o excesso de escolha. Este teu texto no fundo vai de encontro a isso. Mais do que uma analogia brilhante, é um pequeno mapa para nos orientarmos na vida. Olhar para dentro da caixa e "matar" o gato de Schrodinger é melhor do que viver com metade da probabilidade de um gato vivo.

    Adorei! :)

    ResponderEliminar
  2. Muito obrigada pelo comentário =)

    Confesso que mal li o desafio, me lembrei imediatamente do Gato de Schrodinger.
    Tive algum receio que achassem as referências físicas elitistas ou desadequadas, mas resolvi arriscar.
    (In)felizmente, sempre observei a física e a matemática à luz desta mesma experiência: elas sempre foram para mim uma fonte de inspiração que ultrapassa o seu mundo restrito de exactidão.

    ResponderEliminar