domingo, 2 de maio de 2010

Desafio XIX - Resposta

Love cannot save you from your own fate

Passa-me essa fotografia que tenho na cabeça.
Perguntas-me em que estou a pensar?
Lembro-me dessa fotografia que me ficou calcificada nos olhos, como se me tivessem levantado as pálpebras e esculpido esse momento directamente na íris.
Vejo a figura dela a afastar-se, com os reflexos das costas e das nádegas apetitosas a deixarem os poros da pele dele. Vejo os olhos dele e a barba dele no horizonte. A ausência de lágrimas e a ausência de vento, como se o Nada chegasse naquele momento e os levasse aos dois num vazio que crescia de dentro de fora e explodia num fogo de artifício estático.

O amor consumira-a. Gastara e sugara-a. E ela era uma flor ressequida que ficara duma Primavera demasiado bela. O amor bebera-a sofregamente, abusara dela.
E ela agora dançava nos seus saltos agulha daquela forma mecânica que fazem os artistas estragados.
Ela afastava-se no horizonte árido de Sevilha. E eu via a figura dela cada vez mais longe, cada vez mais longe. E o nunca mais a gravar-se em cada segundo no relógio que ele tinha no coração.

Porque ele amava-a com os seus dois corações. Um era mais mecânico do que o outro; os dois eram sonhadores.
Vejo sempre os corações dele, no canto da fotografia. O que lhe batia descompassadamente no corpo e o outro, que ela já não quisera e colocara em cima do muro.
Oh, mas ela já não podia tê-lo. Ela já não tinha mãos para agarrar corações.
O amor que lhe vivera no seu queimara tudo. Violara-a.
E ela era só isso, uma cantora de Andaluzia a dançar todas as noites nos seus saltos agulha. Majestosa, vivera para esse amor grotesco e violento que era o amor de dois corações dum mesmo homem. E ele era só isso, um homem deformado que vivera para amar descompassadamente uma mulher que fazia o seu relógio de cuco cantar e o cegava de ciúmes quando a queria só sua em toda a pele e em toda a voz e cigarros.

Vejo a figura dela a desaparecer por entre o azul do céu e o amarelo da plataforma de terra de Sevilha. A mecânica do coração a desprogramar-se, a esquecer-se de como é amar. E vejo-o quieto, com dois corações inúteis, desmanchados pelas mãos de ambos, quando naquelas noites quentes se amaram demais.

(inspirado no livro "A mecânica do Coração")

1 comentário:

  1. Sinceramente, está genial associares "mecanica do coraçao" a esta frase. de facto, é uma historia baseada em como podes dar a volta ao mundo por esse sentimento bruto e sublime que é o amor. Podes dar a volta ao mundo e inverter a forma como a Terra gira. Podes fazer tudo isso.

    Mas nao podes deixar de ser tu. Vais ser sempre só tu. O amor muda qualquer coisa, mas nao muda o facto de tu seres sempre (e apenas) tu.

    gostei muitooo =)

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