terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Desafio XLIX - Resposta

"C'est par la musique qu' a commencé l'indiscipline"


A verdade é que ela sempre fora louca. Mas não com uma loucura daquelas que são geniais e, na intimidade, quase insuportaveis. Nem daquelas loucuras sociais que abraçam novas amizades facilmente. Não, ela sempre teve uma loucura diferente. Pacata, tranquila. Defini-a, a loucura dela. Como se em algum momento alcançasse um extremo e o mundo tornava-se invertido. Era uma loucura lucida e logica que quando era activada a transpunha para outro mundo.
Era um dia de Outono profundo, um dia perfeito para se ver o Mar no seu horizonte azul e frio. Combinaram encontrarem-se na praia sombria longiqua da cidade, ela e os amigos. Fora uma tarde agradavel e ela tinha tido uma conduta perfeitamente anormal. Nunca respondia claramente às perguntas que lhe faziam mas não deixava de responder. Tinha sempre uma ideia que era levemente descontextualizada, mas não estranha o suficiente para causar o sentimento de choque. Adoravam-na os amigos, era um genio discreto e tranquilo, carinhoso e cheio de uma compaixao que não viam em mais ninguem. Ela é que os não adorava a eles, tinham sempre a sensação que não lhe chegavam, que ela precisava de algo mais. Gostava dela desde a primeira vez que a vira com a sua beleza excentrica e funda, com o seu rosto vindo do futuro, Luis sempre gostara dela e ela parecia nem nunca ter reparado nisso. So se importava com música ela, so lhe interessava a musica. As bochechas ficam vermelhas da excitaçao, os gestos tornavam-se rapidos e confusos, os olhos ganhavam um brilho exímio que a presença dele nunca lhe causava. E ele não podia competir com a música embora gostasse muito de vencer essa batalha. E, se ele vencesse, ela nunca mais ficaria assim a ouvir musica, afinal metade dela era igual a ele.
Mas o amor revela-se como essencia da arte nos momentos mais estranhos e desconexos. A camioneta que os levaria de volta para a cidade nunca apareceu e entraram em panico, o grupo de jovens. A praia sombria, no final do mundo, a duas horas a pé da cidade. Entraram todos em pânico menos Luis que esperou que o seu amor entrasse em panico para, convencionalmente, a confortar. Mas , como sempre, a música chegou primeiro. Quando todos se entregaram ao desespero, ela pegou no mp3 e começou a ouvir musica. Estavam todos a discutir o que iriam fazer e ela olhava para o mar e repetia que o mar era lindo e que adorava jazz. Perguntavas-lhe, repetidamente, se já alguma vez tinham ouvido jazz. Ninguem queria saber, tudo o que eles queriam era chegar a casa, a salvo, aquecerem-se do frio gélido que se tinha instalado nos ossos, entre os fios de medo que nascia no espirito de quem considera que está bastante perdido.
E foi ela que resolveu o problema. Disse-lhes para irem a pé. Disseram-lhe que era perigoso e ela respondeu que jazz era fabuloso, sentia a alma a encher-lhe o coraçao com uma coisa qualquer. Esperança, talvez? Optimismo. Amor estava intimamente a uma visao aberta que se focava nos pormenores que nunca antes tinham sido vistos. Amor era optimismo. Iam a pé e era escusado chorar nada mais havia a fazer. Foi a resposta dela e depois foi o silencio dela. Continuou a ouvir musica, a cantar a melodia que estava a ouvir e a perguntares-lhe de tempos em tempos, se já tinham ouvido jazz. Mandaram-na calar muitas vezes e ela parecia não se importar minimamente. Parecia não querer saber deles para nada. Luis chamou-lhe doida, a rejeiçao em pessoas que se dedicam a estabilidade, resulta sempre em insultos detestaveis e crueis. Mas ela so se importava com a musica e respondeu-lhe: so agora é que descobriste? Já ouviste jazz? Ah, este ritmo é fantastico. É duro mas é melodico, como esta situaçao. Ele afastou-se dela e ela sorriu-lhe. Afinal sempre soube, sempre soube tudo, simplesmente nunca gostou dele. O coraçao tinha uma melodia que ele não podia compreender. O amor não se podia ajeitar.
Chegaram a casa todos em perfeito estado. Todos surpreendidos com ela, a rapariga cheia de uma beleza excentrica e diferente que , durante duas horas terriveis e sombrias, so falou de jazz. Mas eles já deviam saber, a musica é o começo da indisciplina. E ela sempre fora louca, sincopadamente louca. Por isso é que gostavam tanto dela.
E, desde aquela tarde, em que ela descobriu o quanto amava a musica que se tornou verdadeiramente indisciplinada. Passou a fazer unicamente aquilo que a fazia ser ela propria. É a maior indisciplina de todas, quebrar a convençao da miseria de uma estabilidade vazia.

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