sábado, 13 de novembro de 2010

Desafio XLIII- Resposta

Sometimes I feel
Like I don't have a partner
Sometimes I feel
Like mt only friend
Is the city I live in
The city of Angels
Lonely as I am
Together we cry


Under the Bridge- Red Hot Chili Peppers


Caminhava com o seu sobretudo negro devagar e compassado. Para que ter pressa se não tinha destino algum que desejasse alcançar? Estava triste, estava melancolico . O seu ser arrastastava-se melodicamente por Lisboa. O seu ser arrastava-se melodicamente pelos predios e pela calçada e pelas fontes que já viram a História mudar a mentalidade de uma sociedade e essa sociedade arruinar-se em pequenas luxurias infundamentadas e inuteis.
Caminhava lentamente como se Lisboa fosse algo que nunca tivesse visto , procurava curiosidades em todas as ruas estreitas e calorosas. Deixava-se encantar pelos pormenores simples que tornavam Lisboa bela . O castelo lá no alto dava-lhe uma sensação medieval de protecçao. Estava em casa e Lisboa nunca fora casa alguma. Não que não gostasse simplesmente nunca fora a sua cidade, o seu lugar do mundo. Limitava-se a ser apenas o sitio que o tinha visto nascer.
Mas não hoje, hoje só Lisboa lhe fazia companhia. Encontrava o seu estado de espirito miseravel e diluido num negro de veludo em cada ruela. Cada estatua parecia tenebrosa e sombria. A pequenez de Lisboa era tao claustrofobica como o aperto mudo que tinha no peito. Perdia-se nos cruzamentos de ruas sombrias que nunca vira mas encontrava-se depois, procurava algo familiar e chegava a uma rua maior e conhecida. Lisboa era demasiado pequena ate para alguem se perder. Como o coraçao dele, como o espirito dele. As vezes so desejava perder-se e deixar-se lá estar , nesse bosque denso e escuro muito maior que ele . Nesse bosque nordico que nunca existiu em Lisboa e que era a casa dele. Não a que o tinha visto crescer ou tornar-se num homem adulto e integro mas a casa que ele tinha escolhido porque reflectia o que desejava ser.
Caminhava com o seu sobretudo negro a contrastar com o cabelo loiro e a pele demasiado branca. Mesmo fisicamente, nunca se enquadrou em Lisboa. Demasiado alto, demasiado magro, demasiado branco, demasiado estrangeiro na sua cidade natal. Mas não hoje, hoje Lisboa era a única a fazer-lhe companhia. Ouvia em certas esquinas o seu lamento, o choro pelas mortes a que assistiu ou o riso emocionado e orgulhoso pelas vitorias heroicas que presenciou. Hoje só Lisboa lhe fazia companhia, so Lisboa o confortava tristemente. Chegou ao Cais das Colunas e sentou-se a ver o Tejo azul profundo . Ouviu a cançao surda que encantava aquele lugar, viu os barcos fantasmas que se afundaram anonimamente e viu os que inovaram o mundo. Viu corpos de homens inocentes que procuraram no Rio um abrigo e foram mortos por isso mesmo; viu a revolta que o tornou num homem livre, anos depois. Viu isso tudo, ouviu isso tudo. Lisboa, so Lisboa lhe fez companhia. E era tao triste, continuava a não ser a sua casa, o lugar quente e aconchegador depois do frio Invernal.
Amava Lisboa, Lisboa fazia-lhe companhia. Mas ele era triste, era desfasado.Estava condenado a isso. Lisboa era a única que lhe fazia companhia e era o único sitio onde não podia ficar.Amava Lisboa mas amava ainda mais a casa que tinha escolhido como sua.

Os estrangeiros, vindos do norte da Europa ,que passavam encontraram um cenario digno de um quadro impressionista. Um homem muito loiro, muito alto sentado naquela uniao perfeita entre o mar e a terra, o passado e o futuro , com o cabelo loiro a ondular ao sabor do vento em conjunto com o negro do seu casaco. Uma uniao estranha e logica. Mas o mais impressionante era a postura dele, a tristeza impenetravel do rosto dele. Distante e proximo, triste e resistente. Tao intimo com Lisboa e, ao mesmo tempo, tao diferente fisicamente , tao igual a eles, estrangeiros vindos do Norte da Europa.
Era um condenado e naquele momento so Lisboa lhe fazia companhia.

Desafio XLII- Resposta

“Great spirits have always found violent opposition from mediocrities. The latter cannot understand it when a man does not thoughtlessly submit to hereditary prejudices but honestly and courageously uses his intelligence.”
(Albert Einstein)


A tua arte é o dom da manipulação dissumalda enbelezada com o que denominas romance. Mas não é romance, é uma forma de viver tao triste quanto qualquer outra. Não não é romance, é a mais triste forma de se viver porque, se vires bem, nem tu acreditas profundamente na tua mentira que não passa de uma ilusao faminta .
Por isso o nunca compreenderás. Para ele a vida é romance, viver é sentir o Amor brilhar-lhe nos olhos; viver é a propria definiçao do ego dele. Porque ele é estratego e é genial na forma como vive, como encara o acto de viver. Como saboreia o vento a beijar-lhe o rosto ou o mar violento no final da tarde de Inverno. Ah sim ele é inteligente, é iluminado e tu não. Enfeita as pequenas artes da vida com ornamentos simples e profundos, nada para ele é linear sem deixar de ser, implicitamente, simples.
Mas para ti o romance é o vazio que tens no teu peito, a tua mediocridade está tao colada ao coraçao num abraço de simbiose que és esse ser negro, aparentemente fragil. Aparentemente doce. Aparentemente só aparentemente. Porque a tua arte, a tua única arte, é o dom da manipulaçao dissmulada, o dom de conseguires inverter a simplicidade dele em algo banal. O teu dom é denominares os crimes existenciais que praticas romance porque são em nome de um ideal ( o teu ideal) que é fantasma, que é inocuo e infertil. Um ideal antigo e gasto, corrompido pelas crueis certezas da vida.
Mas não ele. Descodifica as pequenas intrigas da realidade segundo padroes, observa os pormenores e interpreta-os segundo as leis da matematica, da fisica e da filosofia. Procura a uniao perfeita. Vive segundo o momento tornando-o imortal ao assumir a efemeridade de tudo o que existe.
E tudo o que sabes fazer, tudo o que procuras fazer, é rompe-lo, rasga-lo. Porque o não compreendeste o nunca compreenderás. Ele é um génio, um artista, um ser iluminado pela junçao do raciocinio com a maxima sensibilidade humana e tu és esse ser antagonico ao dele. És uma fraude com um ego demasiado mediocre para conseguires aguentar viver sem te alimentares da ruína que lhe causas.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Desafio XLIII - Resposta

Em cada cem pessoas:
Sabendo tudo mais que os outros:
⁃ cinquenta e duas,
inseguras de cada passo:
⁃ quase todas as outras,
prontas a ajudar desde que isso não lhes tome muito tempo:
⁃ quarenta e nove, o que já não é mau,
sempre boas porque incapazes de ser outro modo:
⁃ quatro; enfim, talvez cinco,
prontas a admirar sem inveja:
⁃ dezoito,
induzidas em erro por uma juventude, afinal tão efémera:
⁃ mais ou menos sessenta,
com quem não se brinca:
⁃ quarenta e quatro,
vivendo sempre angustiadas em relação a alguém ou a qualquer coisa:
⁃ setenta e sete,
dotadas para serem felizes:
⁃ no máximo vinte e tal,
inofensivas quando sozinhas, mas selvagens quando em multidão:
⁃ isso, o melhor é não tentar saber mesmo aproximadamente,
prudentes depois do mal estar feito:
⁃ não mais do que antes,
não pedindo nada da vida excepto coisas:
⁃ trinta, mas preferia estar enganado,
encurvadas, sofridas, sem um lanterna que lhes ilumine as trevas:
⁃ mais tarde ou mais cedo, oitenta e três,
justas:
⁃ pelo menos trinta e cinco, o que já não é mau,
mas se a isso juntarmos o esforço de compreender:
⁃ três,
dignas de compaixão:
⁃ noventa e nove,
mortais:
⁃ cem por cento, número que, de momento, não é possível mudar.
(Wislawa Szymborska)



O meu irmão nasceu grande demais. A minha mãe deu por si na casa de banho a impedi-lo de nascer, ou pelo menos a atrasá-lo entre as dores atrozes que sentia como fios de facas nas pernas.
O resultado foi uma massa disforme e uma mulher pequena esvaída em sangue, distribuídos pelos azulejos brancos.

Como um pronuncio de tragédia atravessada pelas vidas, o meu irmão foi sempre grande demais para os sítios e carregava com ele um inevitável coro de desgraças. Tudo nele cheirava a uma tragédia eminente, como se estivesse marcado com tatuagens ancestrais, anteriores a Deus, que o condenavam a uma desgraça de vida, pior do que a morte.

E era tudo tão paradoxalmente triste, que quando ele sorria eu fixava as covinhas que lhe apareciam nas pontas das suas bochechas. Porque era de mim que ele gostava mais do que tudo.
Em pequenos, fomos estrategicamente separados e nunca andamos sequer na mesma escola. E enquanto eu era aparentemente calma, o meu irmão atravessava o seu corpo desgraçado pela vida e voltava todos os dias com problemas para os meus pais. Era demasiado influenciável e desinteressado. Era demasiado. Sempre.
Mas não comigo.
Era como se eu fosse a única coisa viva da vida dele.

Um dia os meus pais descobriram que ele se drogava, era pouco mais do que um adolescente.
Fiquei fechada no meu quarto, com a cabeça encostada à porta, enquanto eles gritavam com ele e lhe chamavam inútil apesar do tamanho que tinha, como se pelo facto de ele ser assim tão grande devesse mais à Humanidade.
As minhas mãos tremiam agarradas à porta e conseguia sentir as lágrimas invisíveis que lhe saltavam dos olhos. Conseguia ver o rosto lavado daquela tristeza tão entranhada que nenhum dos meus pais, entalados numa vida comum conseguiam descortinar.

Depois desse dia fecharam-no em casa e proibiram-no de se encontrar com os seus amigos, cientes de que eram as más influências que lhe traziam a droga. Sem nunca entenderem que a drogar estava ali em casa e que eram eles que lha davam, quando estipulavam horas para ele ler e ver televisão, acabaram por condená-lo à morte.
E não que ele se tenha resignado. Um dia quando cheguei da escola, ele tinha aberto as janelas e espalhava música para um quintal de prédios todos iguais a não perder de vista da sua prisão.
Porque o meu irmão não era deste mundo. Era grande demais.

No dia em que entrei na faculdade e me preparava para deixar a minha casa, os meus pais foram buscá-lo à rua onde passara mais uma noite, enroscado nas mantas esburacadas que o aqueciam. Ele entrou no meu quarto, afastou a mala meio desfeita e sentou-se no meio da minha cama a observar o tecto onde eu tinha colado o sistema solar fluorescente que brilhava no escuro.
Eu queria dizer-lhe que sabia exactamente o que ele sentia, mas não disse nada. Entre nós a vida sempre fora silenciosamente simples.
Então de repente, beijei-o. Os seus olhos encontraram os meus e não houve nenhum laivo de surpresa. Passamos a noite debaixo dum céu estrelado.
Afinal, a drogada era eu.