“- Tens de ser mais feliz.”
Foi esta a última frase que Joana leu do seu livro antes de sair do comboio. Odiava que no Inverno chegasse já a casa de noite, mas não havia nada a fazer. Ao menos não chovia. Podia fazer o resto do caminho calmamente a pé, e não a correr debaixo de um chapéu de chuva. Dar-lhe-ia tempo para ver uma ou outra montra, para inspirar o ar frio, e para desentorpecer as pernas. Levava o livro debaixo do braço, e a mala ao ombro. E foi ao passar pelo jardim que ocupava o último quarteirão antes do seu que ela o viu. De novo. E por um momento abrandou o passo, sem no entanto parar. Conhecia a cara dele de algum lado. Mudou de rumo para passar à sua frente no banco de jardim, sem chamar muito a atenção. E depois reconheceu-o. Sim, era o seu vizinho. Sim, aquele vizinho que sempre quis conhecer, mas com quem nunca conseguiu ir além de uma conversa de elevador. Sim, era ele. E estava ali, sozinho. Vestido com um enorme casaco fechado até ao pescoço, um gorro, mãos enfiadas nos bolsos. Sem se mexer de todo.
Joana sabia que havia algo mais naquele cenário. Algo que ela não se lembrava. Algo que lhe dizia qualquer coisa mas que ela simplesmente não conseguia recordar. Aquele cenário era-lhe familiar; aquele banco, aquele vizinho, aquele jardim. Cada um deles por si só seria normal. O jardim onde passou a infância, principalmente com os seus avós. Um banco de jardim, onde já várias vezes tinha comido gelados, ou tinha namorado, ou tinha apenas passado tardes memoráveis com amigos. O seu vizinho, e as infindáveis memórias de frustrantes conversas de ocasião no elevador. Mas as três memórias juntas…
E aí lembrou-se. Claro! Naquela manhã! Ele estava lá, no mesmo sítio, no mesmo banco, no mesmo jardim, com a mesma roupa na mesma posição! Teria ali passado o dia? O que esperava ele? Ou desesperaria simplesmente? Joana parara agora em frente ao seu vizinho sentado no banco de jardim. Não podia simplesmente ir-se embora. Tinha de dizer qualquer coisa, ajudar de qualquer forma. Seria desumano não o fazer. Mas dizer o quê? O que se dizem nestas situações?
- “Tens de ser mais feliz.” – Foi o que lhe saiu descontroladamente da boca.
Ele olhou para cima, com um olhar confuso. Nas profundas olheiras e no seu olhar de tristeza via-se um pequeno brilho. O brilho de quem via alguém pela primeira vez em muito tempo.
- “Não se pode ser mais feliz quando não se é nada.” – Foi a resposta que encontrou.
- “Enganas-te. Não se pode ser menos feliz quando não se é nada. Mas pode-se sempre ser mais!”
Ele levantou-se. Não havia nada a dizer. Fez um sinal com a cabeça, na direcção de casa. Casa. Seguiram juntos. A companhia era melhor que seguir sozinho. Era melhor que todo seu nada.
Será que é possível ter menos que Nada?
ResponderEliminarMas concordo contigo, o Nada é confortável. Pelo menos em muitas situações. =)
Beijinho Tiago, e desculpa o desafio =P
Se me é permitido, tenho a dizer que honraste bem o desafio =)
ResponderEliminarGostei imenso da ultima parte ;)