terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Desafio II

Tiago para Blue Storm:

"Medo"


Wings para Ricardo:

"É possível que se coloque um pedaço de carvão no fogo e que este não se queime."
(David Hume)

Blue Storm para Alice in Wonderland:

"I accept chaos. I'm not sure whether it accepts me."
(Bob Dylan)

Alice in Wonderland para Wings:

"O lago ficou algum tempo silencioso. Por fim disse:

- Eu choro por Narciso. Mas nunca tinha percebido que Narciso era belo. Choro por Narciso, porque todas as vezes que ele se debruçava sobre as minhas margens eu podia ver, no fundo dos seus olhos, a minha própria beleza reflectida "

(Oscar Wilde)

Ricardo para Tiago:

"The things you own end up owning you."
(Chuck Palahniuk, Fight Club)

Desafio I - Resposta

“- Tens de ser mais feliz.”

Foi esta a última frase que Joana leu do seu livro antes de sair do comboio. Odiava que no Inverno chegasse já a casa de noite, mas não havia nada a fazer. Ao menos não chovia. Podia fazer o resto do caminho calmamente a pé, e não a correr debaixo de um chapéu de chuva. Dar-lhe-ia tempo para ver uma ou outra montra, para inspirar o ar frio, e para desentorpecer as pernas. Levava o livro debaixo do braço, e a mala ao ombro. E foi ao passar pelo jardim que ocupava o último quarteirão antes do seu que ela o viu. De novo. E por um momento abrandou o passo, sem no entanto parar. Conhecia a cara dele de algum lado. Mudou de rumo para passar à sua frente no banco de jardim, sem chamar muito a atenção. E depois reconheceu-o. Sim, era o seu vizinho. Sim, aquele vizinho que sempre quis conhecer, mas com quem nunca conseguiu ir além de uma conversa de elevador. Sim, era ele. E estava ali, sozinho. Vestido com um enorme casaco fechado até ao pescoço, um gorro, mãos enfiadas nos bolsos. Sem se mexer de todo.

Joana sabia que havia algo mais naquele cenário. Algo que ela não se lembrava. Algo que lhe dizia qualquer coisa mas que ela simplesmente não conseguia recordar. Aquele cenário era-lhe familiar; aquele banco, aquele vizinho, aquele jardim. Cada um deles por si só seria normal. O jardim onde passou a infância, principalmente com os seus avós. Um banco de jardim, onde já várias vezes tinha comido gelados, ou tinha namorado, ou tinha apenas passado tardes memoráveis com amigos. O seu vizinho, e as infindáveis memórias de frustrantes conversas de ocasião no elevador. Mas as três memórias juntas…

E aí lembrou-se. Claro! Naquela manhã! Ele estava lá, no mesmo sítio, no mesmo banco, no mesmo jardim, com a mesma roupa na mesma posição! Teria ali passado o dia? O que esperava ele? Ou desesperaria simplesmente? Joana parara agora em frente ao seu vizinho sentado no banco de jardim. Não podia simplesmente ir-se embora. Tinha de dizer qualquer coisa, ajudar de qualquer forma. Seria desumano não o fazer. Mas dizer o quê? O que se dizem nestas situações?

- “Tens de ser mais feliz.” – Foi o que lhe saiu descontroladamente da boca.

Ele olhou para cima, com um olhar confuso. Nas profundas olheiras e no seu olhar de tristeza via-se um pequeno brilho. O brilho de quem via alguém pela primeira vez em muito tempo.

- “Não se pode ser mais feliz quando não se é nada.” – Foi a resposta que encontrou.

- “Enganas-te. Não se pode ser menos feliz quando não se é nada. Mas pode-se sempre ser mais!”

Ele levantou-se. Não havia nada a dizer. Fez um sinal com a cabeça, na direcção de casa. Casa. Seguiram juntos. A companhia era melhor que seguir sozinho. Era melhor que todo seu nada.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Desafio I - Resposta

“Tempo que passas a rir é tempo que passas com os Deuses”

Não me lembro de quando deixei de sorrir.

De quando deixei de lado o riso para me concentrar em coisas “importantes” como o trabalho, o dinheiro. De quando deixei de lado o riso para crescer e ter sucesso no mundo real, no mundo dos adultos. De quando deixei de lado o riso para… sei lá, uma razão absurda qualquer.

Agora que olho para trás, acho que foi a partir daí que tudo se começou a desmoronar.

Sou um velho, gasto e cansado, que observa os netos a correr pela casa enquanto suspira, sentado na também velha cadeira, com um copo de brandy na mão. Não consigo tolerar os risos, o barulho e a correria. Parece-me tudo tão artificial, tão forçado. Como é que podem viver tão inocentes face a este mundo, que num dia ou outro os irá afundar?

Suspiro. Tornei-me um velho azedo, uma carcaça sem emoções cujo único orgulho é o dinheiro acarretado no banco. Não tenho boas memórias e se alguma vez as tive foram sobrepostas pelo trabalho e pelo orgulho. Oh, se apenas pudesse voltar atrás e trocar este frio e riqueza por felicidade e o ecoar do riso.

No meio das minhas divagações, não reparei na criança que corria na minha direcção, inebriada nas suas brincadeiras. O meu neto chocou contra mim, o copo de brandy saltou no ar, sujando roupa e estilhaçando-se no chão.

De repente o ambiente na sala ficara pesado, de cortar à faca. Os presentes olhavam-me com olhos assustados, mal se mexendo. Seria eu assim tão intimidante? Quase que podia ver reflectida nos olhos deles a faísca dos meus, aquele aviso de que uma tempestade se levanta.

Normalmente ter-me-ia erguido, de cara vermelha e esbracejado com os meus fracos braços, enquanto gritava ameaças e frases praguejadas. Teria posto as crianças a chorar, os adultos com vontade de sair. Mas não. Não fiz nada disso. Talvez tenha sido uma epifania, uma nova oportunidade.

Eu ri-me. Ri-me enquanto abraçava o meu neto surpreendido, e senti em mim um novo calor, que há muito não experimentava. Não tinha nada a ver com o calor do álcool, o calor de cobertores. Era algo completamente novo, que me fez renascer, que chamou a mim a capacidade de sentir e ser feliz.

Afinal, tempo que passas a rir é tempo que passas com os Deuses. Lamento não o ter descoberto mais cedo.

Desafio I - Resposta

“Nós conhecemo-nos? Não sei se nos conhecemos. Acho que não. Se sim, tinhas-me cumprimentado como uma pessoa a sério e perguntado como estou hoje. Com esse medo a apertar a minha mão e a dizeres-me o teu nome completo, é porque não me conheces de certeza.”

Não há casos académicos como este, nem livros que nos preparem para enfrentarmos o terror da loucura vestida em pijamas brancos, nas mesas da sala de convívio. É preciso não ter medo, é preciso não vacilar nem por um instante. Ou a loucura absorve-nos.

“Sabes, eu aqui sou diferente. Não te rias, sou mesmo. Não sou um maluco, como os outros que aqui estão. Eu sei muito bem o meu papel. Sabes qual é o meu papel? E o teu? Eu sei qual é o nosso. Toda a gente está aqui iludida. Os malucos acham que algum dia vão ser livres. Os médicos acham que vão curar alguém. É tudo mentira. Este lugar é um sítio sem retorno. Engraçado, não é? É como a própria loucura. Uma espécie de jaula perpétua. Eu sou o único que estou acima desta gente toda. Eles não sabem onde já estive nem o que já fiz.”

Ouvimos falar disso na faculdade. Existem dois tipos de memória explícita: a semântica, que guarda factos que aprendemos, e a episódica, que guarda factos que vivemos. E depois há quem misture tudo. Pacientes extremamente articulados e inteligentes, mas que vivem a sua vida mais a vida de todas as pessoas que conheceram ou de quem ouviram falar. São personagens na sua própria história. Tanto se recordam dos seus pais verdadeiros como de terem combatido ao lado de Júlio César. Ora são malucos num hospital, ora são uma pessoa sobre a qual em temos leram num jornal.

“Sabes que eu não pertenço cá. Eu não sou como os outros malucos nem como os médicos. Eu não pertenço aqui. Eu não sou de cá. Na verdade, eu sou ministro. É por isso que estou com este fato vestido. Aliás, até estou atrasado para uma reunião. Hoje vou fechar um acordo que vai render milhões ao filho de um amigo do meu assessor. A minha vida é assim. Esse é o meu papel. Tenho um cargo tão pomposo e na verdade não mando nada. É uma loucura, digo-te. Mas nós já nos conhecemos? Eu já falei contigo antes?”

Alguns desses malucos, devido a maus tratos ou a stress traumático, têm uma forma de amnésia que os leva a perderem a memória de curto prazo, tornando as suas vidas mais trágicas, os seus universos interiores mais pobres. Não só são personagens de si mesmos, como não podem acrescentar mais personagens a essa história unipessoal. No teatro das suas vidas, repetem sempre as mesmas personagens, representam todos os papéis sempre na mesma peça. Não conseguem acrescentar-lhe nada de novo. E também não se lembram de nada que lhes dizem.

“Acho que nunca falei contigo. Mas também, como é que tu poderias saber? Eu sei bem como tu és. Tu na verdade não queres saber de mim, não és capaz de querer saber de mim. Eu sou só mais um. Seja como for, não te lembrarias de mim. E ainda bem. Senão, não quereria falar contigo. Bom, tenho que ir para a minha reunião.”

Na verdade, eu não me interesso pelos malucos. Nem os escuto. Como sempre, levanto-me da mesa sem permitir que ele me dê uma resposta. Há anos venho cá falar em monólogo, dizer o que não posso dizer em público a alguém que não se vai lembrar que eu o disse, a alguém que não é nem capaz de me reconhecer. Digo o que me apetece. Não me preocupo em ser articulado nem em fazer sentido. Falo sem discursar. Depois saio, a tempo das minhas reuniões, onde sou de novo a fachada que sai nos jornais. Há quem vá ao hospital falar com médicos – eu vou falar para os malucos. E isso é o que me permite suportar a loucura lá fora.

Desafio I - resposta

Ela só precisava de um motivo.
Um motivo.
Algo que justificasse a sua loucura.
Mas estava tudo trancado. Tudo perdido.
Era-lhe tudo impedido.
E a loucura crescia-lhe nas pontas dos dedos. Cobria-lhe a pele. Falava-lhe por cima da voz.
Cultivava-a no interior. Ouvia os vinis antigos que lhe falavam do que ela nunca teria.
Ela nunca teria essa liberdade para ser louca. Essa Nada que eles tinham e que ela invejava mais do que Tudo. Eles podiam ir. Podiam ir e não voltar.
Eles nasceram assim. Com motivos.
Mas ela tinha de viver trancada. Amarrada à falta de opções que lhe permitiam ter alguma coisa.
Se ela ao menos tivesse um motivo. Podia perder Tudo. E com Nada podia ir onde quisesse.

"Os homens tropeçam nas pedras pequenas, não nas grandes"

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Desafio 1 - resposta

"Enquanto puxava o cobertor coçado para cima mais um pouco, olhou à sua volta. As ruas de Lisboa estavam desertas, e frias. Era apenas a sua segunda noite de Natal na rua, e no entanto já não se lembrava como tinha ali chegado. Encolheu os ombros. Não era importante."
Porque a vida é isto, ele nasceu para ser isto. Não se lembrava como tinha ali chegado mas não era importante. Apertou o cobertor gasto contra o corpo gélido. O frio que sentia trespassava os ossos mas era-lhe indiferente.E as luzes Natalícias que o cegavam – cores demasiado fortes para a suavidade da época – não o aqueciam. Riu-se. Até a maior solidariedade inócua encontra os seus limites...
Mas a rajada de vento violento que lhe beijou a face congelou o sorriso. Ninguem o compreendeu. Nunca. Porque o amor dele é excentrico e honesto. E ele amava! O som, a melodia, a construção ritmica perfeita e simples, o extase do preenchimento do ego. A vida dele resumia-se a uma nota. Grave, arrastada, melodica,uma nunca antes ouvida...
Nunca o compreenderam. Não o deixaram viver o sonho. Que nunca foi sonho algum: o coraçao dele, como fugir a esse destino caloroso de sentir o coraçao gritar por algo? Disseram-lhe que era louco. E talvez o fosse. Mas quem não é louco não esta entre os vivos.
Apertou o cobertor contra o peito. Sempre gostara do Natal, do dissecar do verdadeiro significado da compaixão e da compreensão. Puxou a guitarra, acarinhou-a suavemente e executou os gestos que lhe pagavam a pouca comida que tinha.
Riu-se. O olhar horrorizado dos transeuntes: um rapaz tao bonito, tao jovem. Com um ar tão limpo e fino, talvez ate de boas familias... E na rua, um sem-abrigo!
Nunca o compreenderam. Mas ao menos ele agora era livre, de consciencia tranquila. A realidade projectada da alma. E no entanto já não se lembrava como tinha ali chegado. Encolheu os ombros. Não era importante.E continuou a tocar , gostava tanto das músicas de Natal!Revelam o melhor que ainda existia nele, expunham a liberdade doce que sentia.
"Só peço para ser livre. As borboletas são livres." Charles Dickens
WinGs

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Desafio I

Tiago para Wings:

"Enquanto puxava o cobertor coçado para cima mais um pouco, olhou à sua volta. As ruas de Lisboa estavam desertas, e frias. Era apenas a sua segunda noite de Natal na rua, e no entanto já não se lembrava como tinha ali chegado. Encolheu os ombros. Não era importante."


Wings para Blue Storm:

“Tempo que passas a rir é tempo que passas com os Deuses”


Ricardo para Alice in Wonderland:

“Os homens tropeçam nas pedras pequenas, não nas pedras grandes"
(Provérbio chinês)


Alice in Wonderland para Tiago:

"- I've had nothing yet, so I can't take more.
- You mean you can't take less; it's very easy to take more than nothing."
(Alice in wonderland)


Blue Storm para Ricardo:

“Loucura”

Sincronizados (Introdução)

Sincronizados nasceu da vontade de 5 pessoas em escrever criativamente.

Cada pessoa desafiará outra, escolhida aleatoriamente, com um tema proposto (palavras, frases, citações). Os desafiados terão uma semana para responderem da forma que entenderem. Não existem regras.

Apenas a sincronização.